Adeus Eduard Chevardnadze, o perfeito idealista do fim da Guerra Fria

Eduard Chevardnadze (1928-2014) tem um lugar especial na história diplomática da segunda metade do século XX.

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Chevardnadze viveu três vidas políticas David Mdzinarishvili/REUTERS

Morreu nesta segunda-feira em Tbilissi Eduard Chevardnadze, o último ministro dos Negócios Estrangeiros da URSS e ex-Presidente da Geórgia. Tinha 86 anos, repartidos por três vidas. A primeira foi a do apparatchik soviético. Aderiu aos 20 anos ao Partido Comunista da Geórgia e tornou-se seu secretário-geral aos 44. A derradeira vida, após a dissolução da URSS, é a de um inglório Presidente da Geórgia.

A vida que ficará na História é a do meio: a do ministro do Negócios Estrangeiros de Gorbatchov que teve um papel determinante na liquidação da Guerra Fria.

Sobre esta fase escreveu o sovietólogo canadiano Jacques Lévesque: “Raramente na História se terá visto um grande Estado ser guiado por uma visão tão idealista, centrada na reconciliação universal e em que a imagem do inimigo se diluía constantemente, até desaparecer.” Soube ganhar a confiança dos seus homólogos ocidentais, como o alemão Hans-Dietrich Genscher ou o americano James Baker.

Os três Eduardos
Como chefe comunista da Geórgia, entre 1972 e 1985, Chevardnadze ilustrou-se pelo combate à corrupção, o que o tornou apreciado em Moscovo, sobretudo pelo chefe do KGB, Iuri Andropov, que tinha a noção da decadência da URSS. Em 1978, é cooptado como membro suplente (sem voto) do Politburo, a cúpula do partido onde se tomam as decisões. Um seu inimigo, o conservador Iegor Ligachov, dirá que ele sempre soube estar nas boas graças dos secretários-gerais. Era a lei da sobrevivência.

Governou a Geórgia com “mão de ferro” mas foi liberal para os artistas: o cineasta Tenguiz Abduladze pôde lá rodar Arrependimento, um filme antitotalitário, imediatamente proibido por Moscovo — a sua exibição será um dos primeiros actos simbólicos da glasnost.

A ascensão ao poder de Gorbatchov, em 1985, muda a sua vida. Sem experiência internacional, é nomeado ministro dos Negócios Estrangeiros, sucedendo a Andrei Gromiko, o “realista” da Guerra Fria. Ao lado de Gorbatchov, inaugura uma era de cooperação com os países capitalistas e prepara as conferências entre Gorbatchov e Reagan, que culminam numa histórico acordo de redução dos armamentos. Abre a porta à emancipação dos “países irmãos”, num processo que culminará na queda do Muro de Berlim e na reunificação alemã.

Demite-se em Dezembro de 1990, denunciando o risco de “regresso da ditadura”. Durante o putsch neocomunista de Agosto de 1991 estará ao lado de Ieltsin e, a seguir, aceita o pedido de Gorbatchov para voltar aos Estrangeiros. A URSS acaba oficialmente no dia 25 de Dezembro de 1991.

Chevardnadze passa a ser cidadão da Geórgia independente, país em guerra desde 1989 e onde não há margem para idealismo. Em 1992, substitui o paranóico Presidente Gamsakhurdia e salva a paz na Geórgia. Ganha a eleição presidencial em 1995. Sobrevive a atentados das máfias locais. Faz concessões a Moscovo mas entra em conflito com Ieltsin e Putin, sobre a Tchetchénia ou os oleodutos do petróleo do Cáspio. Aproxima-se dos Estados Unidos.

Falha totalmente a luta contra a corrupção, que toca a sua própria família. As contestadas legislativas de Novembro de 2003 vão precipitar a sua queda. Milhares de manifestantes invadem o Parlamento. Era a “revolução das rosas”. Para evitar um banho de sangue, demite-se. Não se exilou: reformou-se e morreu em silêncio.    

Notícia corrigida: Corrige-se datas de nascimento e morte de Eduard Chevardnadze.
 

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