Às vezes, ser empreendedor é como ser garimpeiro

Há mais de um ano, o PÚBLICO traçou o retrato de várias startups portuguesas. Revisitou-as e encontrou um mundo onde é ténue a linha que separa o sucesso do fracasso. Várias mudaram de rumo, em busca do filão certo.

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A Seedrs, fundada por Carlos Silva, conseguiu, recentemente, um financiamento de 2,5 milhões de euros Nuno Ferreira Santos
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A Hole19, fundada por Anthony Douglas, tem ?no golfe o seu campo de operações josé fernandes

Quando João Romão, fundador de uma startup chamada GetSocial, abre a porta, percebe-se que muito mudou desde a última conversa com o PÚBLICO, em finais de 2012. O espaço, uma sala ampla (mas despojada de qualquer luxo) num quinto andar próximo da Avenida da Liberdade, é muito maior do que a estreitíssima sala que a equipa tinha na StartUp Lisboa, uma incubadora de empresas na baixa. João Romão, de 25 anos, está vestido de forma mais formal. O discurso é fluído, próprio de quem se habituou a falar em reuniões. Percebe-se logo que muito se passou desde que em 2012 fundou uma empresa que rapidamente se revelou um fracasso.

Há cerca de dois anos, João Romão e Pedro Moura abandonaram os empregos, na área da informática, para lançar uma startup. Chamava-se Wishareit e desenvolvia uma plataforma online que permitia aos utilizadores criarem e partilharem listas de prendas que gostariam que lhes fossem oferecidas. Para cada item, era disponibilizado um link para a loja onde a prenda podia ser comprada. Por cada compra, a empresa recebia uma minúscula comissão. Para o negócio funcionar, eram precisos muitos milhares de compradores, o que ficou longe de acontecer. As receitas foram quase inexistentes.

Em meados de 2013 perceberam que estavam prestes a ficar sem dinheiro. Mas nem tudo da Wishareit estava perdido. Um activo precioso eram os contactos feitos com outras empresas. “Revisitámos essas empresas, tentámos perceber as necessidades”, diz João Romão. O objectivo era encontrar problemas que pudessem ser transformados num negócio. E perceberam que as marcas tinham dificuldades na promoção de produtos e conteúdos nas redes sociais.

Decidiram pegar numa pequena funcionalidade que fazia parte da complexa plataforma da Wishareit: um botão no qual os utilizadores podiam classificar uma prenda com um de vários adjectivos - divertido, bonito, interessante, etc. Essa acção era partilhada no Facebook. A GetSocial transformou aquele botão num produto completo e começou a vender a funcionalidade a qualquer site que a queira integrar, seja um site de notícias ou uma loja online.

É cedo para perceber se a Get Social será um sucesso. Porém, nas conversas do pequeno meio do empreendedorismo digital lisboeta, João Romão e Pedro Moura surgem frequentemente como exemplos. Falharam a primeira tentativa, mas a inspiração americana que motiva muitas destas startups dita que o falhanço não deve ser penalizado. Afinal, quando ainda tinha apenas uma ideia e o produto estava por desenvolver, a Get Social conseguiu 630 mil euros de financiamento, metade do fundo Faber Ventures e a outra metade da Portugal Ventures, a sociedade de capital de risco criada pelo Estado.

A Wishareit foi uma das várias startups portuguesas sobre as quais o PÚBLICO escreveu nos últimos meses de 2012 e nos primeiros de 2013. A série de artigos era dedicada a um fenónomeno que tem sido em parte uma necessidade provocada pela crise (os portugueses são dos mais empreendedores quando estão “à rasca”, disse recentemente um secretário de Estado), em parte uma moda e, ainda, uma tentativa de agarrar um quinhão da crescente economia online.

“Houve uma evolução muito significativa nos últimos anos. Embora existam muitas startups que só estão a avançar porque o empreendedorismo se tornou uma moda, existem cada vez mais startups e empreendedores de excelente qualidade, que o seriam também em qualquer outro país”, diz Carlos Silva, presidente e fundador da Seedrs, uma plataforma internacional para financiamento colectivo de startups. 

Até ao final do mês passado, 110 empresas tinham conseguido fundos através da Seedrs, num valor total a rondar os 13 milhões de euros. Em Abril de 2013, quando o PÚBLICO escreveu pela primeira vez sobre esta startup, eram 21 as empresas que tinham obtido financiamento na então recém-lançada plataforma. Na altura, o site estava aberto apenas a pessoas no Reino Unido. Hoje, qualquer utilizador europeu pode investir.

A Seedrs foi fundada por Carlos Silva e pelo americano Jeff Lynn. Tinham-se conhecido em 2009, num MBA em Oxford. Embora com sede no Reino Unido, a empresa considera-se luso-britânica. Emprega 25 pessoas, 14 das quais em Lisboa, onde é feito todo o desenvolvimento tecnológico.

No próprio site, a Seedrs conseguiu há alguns meses um investimento de 2,5 milhões em troca de 13% do capital. Mas não dá lucro.  “Ainda não somos rentáveis”, reconhece Carlos Silva. “Embora o nosso foco seja no crescimento do investimento através da plataforma e não na rentabilidade, já facturamos valores significativos”, acrescenta.

Nem todas as startups conseguiram concretizar o plano inicial, como foi o caso da Seedrs, mas também nem todas tiveram de mudar radicalmente de direcção, como a Wishareit. A Hole19, uma aplicação de golfe para telemóveis, deixou de ser paga e decidiu adoptar um outro modelo de negócio para rentabilizar o mesmo produto. 

A aplicação é um caddie digital: mostra a posição do jogador no  jogador no campo, indica a distância em relação aos elementos relevantes (uma curva, o buraco), dá conselhos sobre que tacos usar e guarda os dados sobre o desempenho do jogador. Esteve à venda por vários preços, mas as receitas nunca foram suficientes.

Quando passou a ser gratuita, a Hole19 foi descarregada 200 mil vezes nos primeiros 50 dias. E já foi seleccionada pela Apple para os lugares de destaque na loja de aplicações, o que é um empurrão precioso. O objectivo agora é construir uma base de dados de golfistas tão grande quanto possível e rentabilizar essa informação, explica o fundador, Anthony Douglas. Querem explorar várias fontes de receitas, mas a ideia principal é tornarem-se numa plataforma para reservas de campos de golfe. 

A Hole19 também arrancou na StartUp Lisboa, mas entretanto mudou-se. Para o outro lado da rua. Funciona no que já foi um espaçoso apartamento nos prédios semi-degradados da baixa lisboeta. Numa das salas, há uma mini-mesa de pingue-pongue. Na entrada, Douglas quer instalar um pequeno buraco de golfe. Apesar do ambiente de descontração, o percurso não tem sido fácil. “Já estivemos várias vezes mortos, com zero euros na conta. Deixei de me pagar salário durante quatro meses”, diz Douglas, que, na altura do arranque, tinha obtido um financiamento de meio milhão de euros de fundos comunitários e que já conseguiu novos investidores.

Outra empresa que mudou de estratégia sem fazer uma viragem completa foi a Pumpkin. No início, era um site para famílias pedirem orçamentos para actividades de lazer para crianças. Hoje, é sobretudo um site informativo. “Essa mudança foi necessária para assegurar a sustentabilidade. Para sermos honestos, tivemos alguns momentos em que quase decidimos terminar o projeto. Mas não terminámos, e valeu a pena”, diz Frank de Brabander, um holandês que se casou com uma portuguesa, com a qual lançou a empresa, mais ou menos na mesma altura em que tiveram uma filha. Hoje, a Pumpkin emprega três pessoas, é lucrativa e está a procurar investidores para se expandir para os outros países de língua portuguesa.

Também a Yucca Studios foi das que teve de emendar o rumo. Em Arruda dos Vinhos, vinte quilómetros a norte de Lisboa, uma equipa de seis pessoas trabalhava na criação de um jogo de estratégia para o Facebook. Mas o número de jogadores – mil, em média – ficou muito abaixo do que os criadores ambicionavam. Não deu dinheiro, mas o saldo, não foi de todo negativo. “Se a rentabilidade é o retorno financeiro do jogo, então não foi rentável. Se é os outros negócios que já nos trouxe, então sim”, diz Pedro Fernandes. A Yucca vende hoje serviços a outras empresas, para além de criar os seus próprios jogos para o Facebook e dispositivos móveis. Espera começar a dar lucro no final do próximo ano. 

Numa altura em que gigantes como o Facebook compram aplicações por milhares de milhões, fazer muito dinheiro faz parte do imaginário do empreendedorismo. Mas ser milionário não é uma obsessão para todos os empreendedores. É o caso de um pequeno estúdio de videojogos de Coimbra, chamado WingzStudio.

A WingzStudio lançou recentemente Falcao vs Alien, um jogo para Android e iOS inspirado no clássico Arkanoid e que tem como protagonista o jogador Radamel Falcao, que passou pelo FC Porto. Antes, tinham criado Stringz, um jogo premiado. E faz ainda parte de um consórcio para criar um jogo que pretende usar tecnologia de inteligência artificial para ensinar a tocar piano. Têm outros projectos em mente, mas os oito pares de mãos que trabalham num espaço de coworking, paredes-meias com algumas das tradicionais repúblicas coimbrãs, não chegam para tudo.

“A estratégia é a de tentar várias coisas. Experimentar e deixar rapidamente se não tiver sucesso”, diz João Ferrand, um dos sócios fundadores. “É como um garimpeiro, que tem de andar muito tempo até encontrar a pepita. Se encontrarmos mini-pepitas de vez em quando…” A equipa está longe de ser uma mina de ouro, mas Ferrand diz-se satisfeito: “Estamos milionários? Não, e não vivemos obcecados com isso. Queríamos viver disto e estamos a viver disto. Conseguimos esse objectivo.”

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