Primárias: uma evolução na democracia participativa portuguesa

António Costa criou um gravíssimo problema ao PS: Transformou uma vitória em derrota, para satisfazer a sua ambição pessoal e pôs fim a uma cultura, existente há 40 anos no PS, que todos os líderes são candidatos em eleições legislativas. Na prática, António Costa disse ao secretário-geral do PS: faz o favor de te demitires que eu quero o teu lugar!

O líder do PS respondeu-lhe à letra: Eu não me demito! Ganhei as eleições, estou legitimado democraticamente, através de voto secreto, e não sou homem de virar as costas à luta!

Mas, como é próprio dos grandes líderes, António José Seguro não ignora que está criado um problema, no PS e na sociedade portuguesa, causado por António Costa e que só pode ser resolvido por uma solução política. Seguro tomou a iniciativa de, pela primeira vez na democracia portuguesa, convocar primárias, abertas a militantes e a eleitores do PS, para elegerem o candidato  a primeiro-ministro.

Trata-se de uma decisão histórica abrir o partido à participação dos eleitores e à cidadania. Em vez de ratificarem a decisão do partido, os eleitores podem escolher o candidato a PM.

A ideia é simples: nas primárias podem votar os inscritos no PS e os eleitores do PS que se declarem como tal. Eleições semelhantes já ocorreram em França e em Itália, são naturais nos EUA e o PSOE, em Espanha, também anunciou que vai realizar primárias.

Não quero, nem devo, adiantar-me à proposta que o secretário-geral vai fazer  nesta quinta-feira mas, no essencial, haverá um período de definição do universo eleitoral, um período de campanha eleitoral e um dia, ou mais, destinado às eleições. Queremos que estas se realizem o mais breve possível, já estamos a recolher todos os regulamentos e normas de eleições primárias noutros países e o SG acaba de convocar uma reunião do órgão competente.

Se Seguro vencer, como desejo, essas primárias, é a confirmação do seu projecto para Portugal e será ele o candidato a primeiro-ministro, como sempre aconteceu.

Se for Costa, isso será respeitado pelo PS e o actual secretário-geral tirará todas as ilações políticas, isto é deixará o cargo e renunciará ao seu mandato de candidato. Tudo é muito claro e muito simples.

Aproveito para corrigir a propaganda contra o líder do PS: uma liderança bicéfala só existe quando duas pessoas desempenham a mesma função, o que é o caso do BE, mas nunca seria o caso no PS. E com a atitude de desapego ao poder revelado por Seguro, ainda menos.

Seguro ficará na história da democracia como o político que pela primeira vez introduziu, no grupo parlamentar, a liberdade de voto como regra nas votações na Assembleia da República; apresentou pela primeira vez uma lista paritária para uma eleição nacional (europeias) e, agora, a realização de primárias abertas a não militantes do PS para a escolha do candidato.

Sei que isto dói e custa a ouvir ao aparelho de comentadores da propaganda que, há três anos, tenta passar a ideia de que Seguro não tem ideias. Estas são ideias acompanhadas de uma coragem de quem fala pouco, mas faz muito, e muito diferente dos principais políticos portugueses.

António Costa e os seus apoiantes, apanhados de surpresa, insistem na convocação de um congresso extraordinário. Ora, segundo os Estatutos do PS, o secretário-geral não é eleito pelo Congresso. É assim desde o tempo de António Guterres. Também aqui não houve alteração dos Estatutos, ao contrário da grosseira manipulação que se tenta fazer. A proposta de Costa de  eleições simultâneas para SG (entre os militantes) ao mesmo tempo que se realizam eleições primárias (militantes e simpatizantes), propostas por Seguro, para a escolha do candidato a PM, é um enorme erro, pois pode acontecer que os militantes do PS elejam um SG diferente do candidato . Aí sim, teríamos duas legitimidades que poderiam conflituar politicamente, embora para funções diferentes.

Uma última nota: desejo que o António Costa e os seus apoiantes não se escondam atrás do Estatutos para impedirem uma evolução na democracia participativa portuguesa.

Numa democracia com analistas independentes, Seguro estaria a ser elogiado pela coragem de romper com o sistema. Mas tenho a certeza de que será o povo português que lhe vai fazer justiça.

 

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