Atenção: piso acabado de lavar

A Troika foi-se embora. Na bomba de gasolina onde bebo café, em plena Europa, fala-se nisso. A Troika foi-se embora. Mas, por aqui, tudo igual. Menos o café, que subiu dez cêntimos

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Victor Fraile/Reuters

A Troika foi-se embora. Na bomba de gasolina onde bebo café, em plena Europa, fala-se nisso. Mais do que as pessoas, falam as capas dos jornais, coloridas e tristemente iluminadas lá no expositor do fundo, ao pé da comida para cão. 

— "This is outrageous! You people have no education at all!"

A cliente loura, de sotaque “allgarvio”, não compreende como é que o inglês da Paula não é mais fluente. Grita rodando a cabeça encarnada, para que todos a ouçam. Em Vilamoura, onde o português se baniu a si próprio, a senhora certamente não foi atendida de forma tão sulista. Habituámos bem os turistas com o nosso jeito para as línguas. O Algarve, pelo menos. Mas, do país que visita, a senhora só deve conhecer as praias-postal e o restaurante do Figo; não sabe que, em Portugal de 2014, o provável numa bomba de gasolina é estar a acusar de falta de educação alguém que tem educação a mais.

— "Tá bem, abelha… Thank you, thank you… vai lá gritar para a tua terra…"

"Cliente difícil, Paula?", pergunto eu, folheando as páginas do folclore político. "Não são só os clientes" — segundo Vanessa, a efectiva mais nova do sítio. Vanessa conseguiu superar a mestria do seu patrão — um “tall dark stranger” —, quando este tentou o que sempre conseguiu fazer de seis em seis meses: não renovar contratos e empregar, dias depois e à sombra da lei, avançar com novo pessoal. Com vinte e poucos anos, Vanessa conquistou um lugar à luz do Código do Trabalho, esse sol que as colegas vêem encoberto.

Represálias? Pois se o patrão joga à roleta russa com os turnos dos funcionários, arruma-lhes quinze dias de trabalho consecutivos e manda a folga às urtigas, chega de Audi (“um deles”) para visitar o império de mês a mês, chama nomes, grita, “é ordinário a falar”… Pois se tudo isto, quais represálias? À Susana, por exemplo, ligou às onze da noite, avisando-a que, no dia seguinte, ela picaria o ponto às duas da tarde e não depois do jantar, como estava escalado. Qual folga, qual tarde de Aquashow com o filho de seis anos! “Se não entrar às duas, escusa de vir às nove. Aliás, escusa de voltar”.

Aqui, à beira de uma estrada nacional, os escrúpulos foram de férias e o comum tornou-se normal. Se a Rita Blanco estivesse ao balcão, isto seria um filme de João Canijo.

“O café é curto, Baltazar?” Pode ser, porque um dos clientes está a ameaçar queixar-se da tua colega no livro amarelo, e eu não quero roubar tempo. “Veja lá se quer manter o seu emprego, porque não é a mim que faz falta”, diz o barrigudo, ao que parece, porque a Marisa se esqueceu de lhe perguntar se queria fatura com contribuinte. Respira, Marisa, que o teu turno acaba já daqui a dez horas. Extra? “Deve ser, deve”.

A Troika foi-se embora. Mas, por aqui, tudo igual. Menos o café, que subiu dez cêntimos.

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