O made in Italy está a salvar a economia italiana

Luxo e crise. As ideias podem não parecer muito bem juntas, mas os peritos dizem que o que está a salvar a economia é o made in Italy, e muito é de luxo. A produção regressa da China para Itália. O desafio é agradar aos estrangeiros mantendo o cunho italiano.

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Giuliano Noci, vice-reitor e professor de marketing no Politécnico de Milão, parece alguém que percebe de luxo: o tecido da gabardina, os pormenore dos sapatos, o corte do fato. Até como posa para a fotografia: o ângulo do rosto, o sorriso, a posição dos braços.

Numa das elegantes esplanadas nas ruas que partem da praça onde está o Duomo, imponente marca de Milão, Noci dobra a gabardina elegante e alonga-se na cadeira antes de acender um cigarro. “Até agora, a indústria do luxo não foi realmente afectada pela crise”, diz. Se houve alguma contracção no mercado interno italiano, também houve “oportunidades enormes nas economias emergentes”, diz.

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Giuliano Noci, vice-reitor e professor de marketing no Politécnico de Milão Joana Bourgard

Ao falar em emergentes pensa-se da China, mas para Noci isso já é passé: “As duas próximas décadas vão ser de África.” Perante o olhar de descrença, acrescenta: “São mil milhões de pessoas e em breve um número suficiente vai entrar numa fase em que pode comprar estes produtos”, diz. “Não é agora”, continua, pondo a tónica no “agora”. “Mas as marcas que hoje estão melhor na Rússia e na China começaram a posicionar-se há 20 anos.”

O jornalista de economia Maurizio Di Lucchio concorda, numa entrevista por Skype. Nota que o que segurou a economia italiana durante a crise foram as exportações, e fala de duas importantes tendências: a grande procura de produtos feitos em Itália (o sabe-tudo Google diz que a expressão “made in Italy” é uma das mais procuradas do mundo) e ligada a esta, o fenómeno do back-reshoring, que não quer dizer mais do que o regresso de produção ao país de empresas que tinham deslocado a produção para países com custos mais baratos (tanto pela procura do <i>made in em Italy</i> como pelo aumento do custo de trabalho nesses países, aponta).

Di Lucchio dá um exemplo: a marca And Camicie, de camisas de luxo, recebeu uma proposta de um empresário chinês, Zong Quinghou, do grupo Wahaha, que iria abrir 20 centros comerciais de luxo em cidades chinesas. A And Camicie poderia ter lojas em todos estes centros comerciais, com uma condição: os produtos não poderiam ser feitos nas fábricas chinesas da marca, mas sim nas italianas. Porque os consumidores chineses não aceitariam um produto made in Italy feito na China. E assim foi. 

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Via della Spiga, uma das ruas mais luxuosas de Milão Joana Bourgard

Bónus de 80 euros
Uma das marcas que dão nas vistas é a elegante Moncler. A montra não tem o flamingo cor-de-rosa da Moschino, nem os lábios gigantes com dentes de vampiro e brilhantes da Yves Saint Laurent, mas uma elegância discreta. Casacos de luxo para a neve ou chuva, gabardinas com tecidos recortados.

A Moncler é apresentada como um caso especial de sucesso, conseguido pelo seu CEO Remo Ruffini que a transformou numa referência de luxo muito para além do mercado inicial de praticantes de ski (o volume de negócios aumentou de 40-50 milhões de euros em 2003 para 580 milhões segundo os resultados preliminares de 2013). 

Ruffini faz questão de responder a todas as questões sobre a marca pessoalmente, e não estava em Milão na altura da nossa visita – estava na Ásia (31% das vendas da empresa são no continente). Por isso respondeu por email. Em relação à distribuição geográfica da marca, nota que, apesar da crise, as vendas da Moncler em Itália foram sempre aumentando: cerca de 4% ao ano nos últimos três anos. 

Noci diz que ainda que o luxo possa ser afectado pela menor procura interna (a classe média é a mais afectada pela crise e fará menos do que classifica como “aspirational buys”, compras de algo especial feitas de vez em quando), o impacto desta é limitado. A teoria de que em tempos de crise os mais ricos ficam ainda mais ricos e assim podem alimentar o mercado do luxo tem o seu fundo de verdade, diz Di Lucchio.

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Moncler na Via della Spiga, em Milão Joana Bourgard

O jornalista nota que, embora haja problemas no mercado italiano, estes estão a diminuir. “Há uma pequena recuperação, e o primeiro-ministro, Renzi, vai dar um bónus de 80 euros por mês aos trabalhadores para aumentar o consumo interno”, diz.

O cunho italiano
Uma das ruas que sai do Duomo, seguindo um dos eléctricos que por lá serpenteia, chama-se Via Orefici, a rua dos ourives. Já não há ourivesarias porta sim, porta sim. Mas uma ainda resiste: a pequena loja de Aldo Citterio, que está na sua família desde 1910.

Aldo Citterio ainda não notou esta recuperação do mercado italiano. “As pessoas compram menos por duas razões: primeiro, porque não sabem como vai ser o futuro, e depois, porque têm menos dinheiro”, sublinha. No seu negócio, a fatia de clientes internacionais – turistas que visitam a cidade – está a aumentar de ano para ano. “Neste momento serão 80% italianos e 20% internacionais.” Os internacionais eram sobretudo europeus, e há uns dois anos mudaram: começaram a aparecer russos, brasileiros, asiáticos.

Procuram o made in Milan, e Citterio toma partido disso, sublinhando a história da zona. As jóias não só são feitas em Itália como são feitas na mesma rua de Milão que, em meados de 1490, Leonardo da Vinci percorreu enquanto viveu na cidade.

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A internacionalização é o mantra para empresas tanto grandes como pequenas. Mas se este é um passo complicado, só o lidar com um público estrangeiro em Itália pode ser difícil.

Aldo Citterio confirma. Os clientes querem o made in Italy, mas isso não quer dizer que gostem do que é normalmente feito em Itália. “Isso é um grande problema para nós. Antes fazíamos jóias italianas para o mercado italiano. Se queremos vender a estrangeiros, temos de mudar. Mas se mudamos demasiado, não vendemos a italianos... e se não mudamos o suficiente, não vendemos a estrangeiros.” Ou seja: “É preciso adaptar ao gosto destes novos consumidores, mas não demasiado – para não perder o cunho italiano.”

Numa Milão em que se nota algum optimismo moderado com as medidas do novo primeiro-ministro, Matteo Renzi, também se vê a força do partido anti-imigração e agora antieuro Liga Norte em cartazes nas ruas (há cartazes a anunciar uma iniciativa de recolha a pedir assinaturas para um referendo sobre o euro).

Mas tanto Citterio como Noci passam de falar do luxo para uma defesa acérrima da Europa. “Os referendos na Escócia e Catalunha são um mau exemplo para a Europa”, diz Citterio, que espera “um bom resultado para os partidos a favor da União Europeia”.

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Já Noci antecipa um sucesso dos eurocépticos e de uma corrente contrária aquilo em que acredita que a Europa precisa para competir num mundo global. Mas vê um lado positivo: “Talvez leve os partidos que ainda acreditam na Europa a reagir.”

De Itália, espera que o novo Governo consiga liderar um grupo de países que possam ser ouvidos – “França, Espanha, e porque não até o Reino Unido?” – para contrariar esta abordagem única de cortes e austeridade.

Esta é a terceira de 11 paragens na Europa que vai a votos. Amanhã, Atenas.

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