Juiz do Reino Unido contra lei que permite retirar crianças a famílias

Casal português que ficou sem os cinco filhos em Inglaterra aguarda reunião decisiva a 17 de Abril.

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Os pais querem trazer as crianças para um centro de acolhimento em Portugal Rui Gaudêncio

Numa altura em que a retirada de crianças aos pais estrangeiros não é pacífica em Inglaterra, mesmo dentro do sistema judicial, o casal português que ficou sem os seus cinco filhos em 2013 aguarda uma reunião decisiva com as autoridades britânicas.

Solicitada pela embaixada de Portugal, a reunião realizar-se-á em Grantham, cidade a Norte de Londres onde vive o casal no Lincolnshire, e contará com a presença confirmada de Janice Spencer, directora-adjunta dos serviços da criança, e Rebecca Andrews, advogada principal dos serviços jurídicos, ambas do Lincolnshire County Council, a entidade a que foi entregue a custódia das crianças por um Tribunal de Família em Dezembro passado, e que se opôs aos pais em tribunal. Este organismo aceitou agora suspender – pelo menos até à data do encontro, 17 de Abril – a abertura do processo de adopção dos dois filhos mais pequenos do casal, com três e cinco anos. Isso não significa, porém, que seja aceite a proposta que os representantes de Portugal vão apresentar na reunião, e que passa por manter juntos os cinco filhos de Carla e José Pedro.

O encontro tinha sido solicitado para o início de Abril, mês em que poderia ser formalmente iniciado o processo de adopção dos dois filhos mais pequenos do casal português, em Inglaterra desde 2003. As cinco crianças foram levadas de casa a 23 de Abril de 2013 pelos  serviços sociais e pela polícia, sem ordem do tribunal, depois de o filho mais velho se ter queixado na escola de que o pai lhe batera. A queixa foi retirada pelo próprio filho, que mais tarde manifestou o desejo de viver com os pais. Em Dezembro, uma juiza do Tribunal de Família decidiu pela retirada definitiva dos cinco filhos de Carla e José Pedro. Embora o casal estivesse  sinalizado nos serviços sociais por dificuldades em lidar com a criança mais velha (diagnosticada em Portugal com hiperactividade) e por queixas, na polícia, de violência doméstica, mais tarde retiradas, Carla e José Pedro nunca foram acusados em Inglaterra de maus tratos ou negligência. 

A proposta para manter as crianças juntas será apresentada pelo adido social da embaixada, José Galaz, e o cônsul-geral de Manchester, Carlos Sousa Amaro. Foi essa a vontade expressa das crianças mais velhas (agora com sete, 13 e 14 anos), nas avaliações dos serviços sociais. E é essa a vontade dos pais, que tentam além disso, junto da embaixada, trazer os filhos para um centro de acolhimento em Portugal, para a partir daqui lutarem de novo pelo direito parental. O casal tem relações cortadas com os avós maternos, não tendo estes chegado a ser considerados como opção para acolher as crianças.

Esforços concentrados
A falhar a proposta de manter as crianças juntas, a embaixada não vislumbra, para já, outra solução para este caso – o terceiro envolvendo uma família portuguesa e, dos três, o mais complexo. Uma revisão judicial pode ser requerida em alternativa a um pedido de recurso, quando não há alterações nas circunstâncias que originaram a sentença ou quando passou o prazo para o recurso – o que se confirma neste caso. E pode ser concedida se ficar provada a existência de irregularidades ou ilegalidades no processo. Porém, no caso em questão, e do ponto de vista da embaixada, todos os esforços estão agora concentrados em tornar possível um acordo com o Lincolnshire County Council.

A hipótese extrema de uma contestação em tribunal da decisão judicial britânica não é, por agora, considerada. O processo decorreu, e foi concluído, no país de residência da família, como prevê a legislação europeia para situações em que estão envolvidos estrangeiros em questões relacionadas com direito parental. Na decisão, anunciada em Dezembro de 2013, no Tribunal de Família do Distrito de Lincoln, a juíza Heather Hughson Swindells invocou a regulamentação da União Europeia – Brussels II R – segundo a qual, desde 2003, o tribunal competente para decidir matérias de direito parental é o do país de residência da família.

No entanto, já houve um Estado europeu disposto a contestar uma decisão da justiça do Reino Unido relativa à retirada de crianças à família: em 2012, a  Eslováquia, membro da União Europeia desde 2004, ameaçou processar o Governo do Reino Unido no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos contra a facilidade com que os tribunais e os serviços sociais decidem afastam os menores dos progenitores “sem uma razão muito forte”, escreveu na altura o jornal Daily Telegraph.

Num contexto em que vários destes casos envolviam famílias eslovacas no Reino Unido, a decisão do Governo de Bratislava de avançar ou não para o tribunal europeu estava dependente de o recurso interposto no sistema judicial britânico ser ou não favorável a uma família a quem tinham sido tirados os dois filhos. Depois de um deles dar entrada no hospital com uma ligeira infecção, os serviços suspeitaram de um ferimento não acidental e a ordem de retirada das duas crianças foi imediata. Como o recurso foi favorável à família, as crianças voltaram para a Eslováquia e o Governo deste país não avançou com o processo.

Críticas de magistrado de tribunal superior
Cada caso é um caso, e independentemente de haver ou não razões para a retirada das crianças das suas famílias, o regime em vigor no Reino Unido tem sido denunciado até pelas mais altas instâncias. Em Janeiro deste ano, foi o próprio juiz decano da divisão de família do High Court of Justice, um tribunal superior do Reino Unido, a criticar o secretismo e as práticas dos tribunais e serviços sociais do país, além de pôr em causa a regulamentação europeia e a lei britânica que permite a adopção sem o consentimento dos pais: “Nenhum tribunal pode ordenar a retirada da família de uma criança [de um país] da Europa ou colocá-la para adopção”, afirmou Sir James Munby, citado pelo jornal Daily Mail.

Sir James Munby disse ainda que as autoridades dos países das famílias implicadas deviam ser envolvidas nas decisões relativas aos seus cidadãos e que o futuro das crianças estrangeiras devia ser decidido pelos tribunais dos seus países.

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