Escutas a Sarkozy revelam tráfico de influências e deixam governo socialista aflito

O ex-Presidente francês tem muitos casos judiciais a barrar-lhe o caminho de uma segunda campanha para o Eliseu em 2017. Mas isso parece ser tão incómodo para o PS como para o próprio Sarkozy.

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Não é segredo que Sarkozy quer recandidatar-se à presidência em 2017 Eric Gaillard/REUTERS

É legítimo que os telefones de Nicolas Sarkozy tenham sido postos sob escuta pelos magistrados que estão a investigar se o regime líbio do falecido coronel Khadafi financiou a campanha das presidenciais de 2007, nas quais se sagrou Presidente da República Francesa? Legalmente, nada a obstar. Mas o Governo socialista meteu os pés pelas mãos a tentar justificar-se e quase conseguiu acabar a semana visto como o malfeitor neste caso.

Nicolas Sarkozy dá muito trabalho à justiça francesa. Mal saiu da presidência, em 2012, foram abertas investigações em vários casos que envolvem o seu nome. A acusação de abuso de confiança de Liliane Bettencourt, a mulher mais rica de França, para obter financiamento ilegal das suas campanhas, foi considerada improcedente. Mas continuam a ser investigadas as suspeitas de que Khadafi terá contribuído generosamente para a sua campanha em 2007, baseadas num documento publicado pelo site Mediapart e por declarações do intermediário em negócios de armamento Ziad Takieddine.

Este último, aliás, está envolto num outro complicado dossier, o do processo Karachi, referente ao financiamento oculto da campanha nas presidenciais de 1995 do ex-primeiro-ministro Edouard Balladur, quando Sarkozy era não só porta-voz do candidato Balladur como seu ministro do Orçamento.

Foi o jornal Le Monde que revelou que os telefones de Sarkozy estavam sob escuta desde Setembro por causa da investigação do financiamento líbio – e que por causa de conversas cruzadas com o seu advogado, Thierry Herzog, deram origem à abertura de uma informação judiciária por “violação do segredo de instrução e tráfico de influências”, a 26 de Fevereiro. Isto porque na conversa surgiu o nome de um terceiro magistrado, Gilbert Azibert do Tribunal de Cassação (a última instância de recurso em França), num contexto que dava a entender que Azibert poderia contar com a ajuda de Sarkozy numa nomeação para um posto de prestígio no Mónaco se prestasse informações sobre um processo que neste momento está em curso no seu tribunal.

O destino das agendas
Todos estes casos são empecilhos que Sarkozy tem de ultrapassar para se recandidar em 2017 à presidência - não é segredo nenhum que o deseja fazer. O que interessava a Sarkozy neste caso era saber qual seria a sorte das suas agendas, apreendidas durante buscas da polícia no âmbito do inquérito no caso Bettencourt, mas não devolvidas. O Tribunal de Cassação estava prestes a pronunciar-se sobre um apelo feito pelo ex-Presidente para que fossem devolvidas – e de facto, no dia 11 houve uma decisão, que não pode agradar-lhe.  

O Tribunal de Cassação recusou pronunciar-se sobre o recurso do ex-Presidente, ou sequer a dizer se pode ser usadas pela justiça noutros casos, ou se devem ser consideradas como inacessíveis e invioláveis, ao abrigo do artigo 67 da Constituição, que diz o Presidente “não é responsável dos actos cumpridos nessa qualidade.”

Só que quando se soube que os juízes que investigam a eventual utilização de fundos líbios por Sarkozy na sua campanha de 2007 o acusavam de tráfico de influências, a UMP – o partido de centro-direita de Sarkozy - caiu em cima do Governo, e em especial da ministra da Justiça, Christiane Taubira, denunciando “espionagem política”. Quando é que ela soube que estavam a ser feitas escutas ao ex-Presidente? E o resto do Governo?, interrogaram.

Aqui ela meteu os pés pelas mãos, e começou por dizer que só soube quando todos os franceses souberam, a 7 de Março, quando o jornal Le Monde o publicou. Só que os fotógrafos do Le Monde fizeram um grande zoom sobre uns documentos que ela empunhou, tentando provar a sua tese, e a data que lá constava era 26 de Fevereiro. A mentira não a ajudou a argumentar que não conhecia o conteúdo das escutas, apenas tinha trocado as datas. O Governo passou a estar mesmo sob fogo, com pedidos insistentes de demissão de Taubira.

O primeiro-ministro Jean-Marc Ayrault teve de vir defender a sua ministra da Justiça, e tentar recordar que os ataques à justiça tinham sido uma característica do mandato de Sarkozy no Eliseu – o ex-ministro da Administração Interna sempre teve foi ligações fortes às polícias. Os responsáveis da UMP nunca deixaram de desacreditar a justiça. Denunciou este método. Durante cinco anos [do seu mandato na presidência], Sarkozy nunca deixou de tentar desacreditar os juízes, e continua a fazê-lo”, afirmou o primeiro-ministro.

Mas os juízes têm agora o direito de fazer escutas ao primeiro-ministro – e ao seu advogado? “Nicolas Sarkozy é um réu como todos os outros, e como todos deve ser sujeito à justiça. Todas as regras foram respeitadas”, defendeu Jean-Marc Ayrault.

Após deixar a presidência da República, Sarkozy deixa de estar protegido pela imunidade presidencial. Se o crime de que for suspeito for punido com pena superior a dois anos de prisão, o juiz de instrução pode pedir a intercepção, gravação e transcrição” de telecomunicações, segundo o artigo 100 do Código de Procedimentos Penais, diz o “Le Monde”. Quanto às conversas com o seu advogado, são confidenciais – por isso não podem ser transcritas – mas podem ser ouvidas, se o cliente estiver a ser escutado. E se o advogado for suspeito de uma infracção, pode também ser colocado sob escuta.
 

   





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