Uma Longa Viagem

O encontro entre desconhecidos, Colin Firth e Nicole Kidman, faz-se no comboio e às portas do Breve Encontro (1945) de David Lean. É o que nota à personagem de Kidman a personagem de Firth, invocando a personagem de Celia Johnson, que no filme de Lean mudava a sua vida ao encontrar o “seu” desconhecido, Trevor Howard. Isto passa a ser uma sombra ao longo de Uma Longa Viagem/The Railway Man. Como espectadores, passamos a esperar disso mais-valias. Mas não se encontra nenhuma. (Se foi do estilo “vamos já explicitar o fantasma antes que alguém o convoque e assim livramo-nos dele” foi acto falhado.)


Prosseguindo na história verídica que The Railway Man conta, ao adaptar ao cinema um relato biográfico do oficial britânico Eric Lomax: a “longa viagem” do filme é um flashback à Segunda Guerra Mundial, onde Lomax (a personagem de Firth), capturado pelo exército japonês, é forçado a trabalhar na Ferrovia da Birmânia (a Ferrovia da Morte), 400 quilómetros entre Banguecoque, na Tailândia, e Rangum, actual Myanmar. Ou seja, directamente a outro Lean, A Ponte do Rio Kwai (1957). (Mete-se na boca do lobo. E não se safa.) A viagem tem um fim, e é essa a essência do relato de Lomax, que morreu, aos 93 anos, em 2012, com o filme já em produção: catarse, a paz com o passado, com os fantasmas - na pessoa de Takashi Nagase (Hiroyuki Sanada), o seu torturador, que Lomax confrontou e a quem se uniu por amizade até ao fim da vida. O propósito terapêutico da narrativa deixa sempre o filme à porta de qualquer coisa, sem nunca lá entrar - nem no confronto com Lean, por exemplo. O que se passa aqui é uma sucessão de protocolos mil vezes usados, protocolos de reconhecimento já mil vezes reconhecidos (o casal Firth/Kidman, por exemplo, é mero protocolo), mas sem dénouement melodramático ou épico.

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