Um caso da vida

Baseado numa tragédia verídica, diz muito sobre o que é ser negro hoje nos EUA, mas está longe de ser um grande filme

Com tudo o que se tem falado a propósito do reconhecimento da “experiência negra” da escravatura e da discriminação nos EUA, a verdade é que nenhum dos dois “filmes negros” de 2013, O Mordomo e 12 Anos Escravo, nos dizem tanto sobre o que é ser negro, hoje, nos EUA como Fruitvale Station. Trata-se da adaptação de um caso verídico de um jovem de Oakland baleado por um agente da polícia de transportes públicos de São Francisco, acabando por morrer na sequência dos ferimentos às primeiras horas de 1 de Janeiro de 2009; o realizador Ryan Coogler filma, nesta primeira longa, as últimas 24 horas da vida de Oscar Grant, 23 anos de idade.


A questão central que rodeia Fruitvale Station é perceber se a abordagem “indie americano moderno” da encenação de Coogler afoga ou potencia a dimensão interventiva do projecto, claramente apontada ao coração das polémicas raciais na América contemporânea. Oscar era um rapaz negro suburbano que cumprira tempo de prisão por tráfico de droga, mas era também um pai carinhoso, um filho extremoso, um rapaz que queria emendar a mão e esbarrava numa sociedade que insistia em olhar para ele como um lugar-comum cómodo e não como um ser humano com direitos. O match acaba nulo: Coogler não consegue evitar a queda no cliché do “caso da vida”, com a estrutura da narrativa a amplificar de forma demasiado óbvia a dimensão angustiante da história, dando ao filme uma eficácia revoltada mas sem sinais particulares. Mas tem o mérito de não escamotear a complexidade humana da situação (Oscar não é um exemplo de responsabilidade) nem de pedir aos seus actores que representem como santos ou como mártires (apesar do filme se encarregar disso).

A importância de Fruitvale Station reside, assim, quase exclusivamente no contexto social que rodeou a sua criação e lançamento; a sua muito notada ausência das nomeações para os Óscares (onde não teria feito pior figura que muitos dos nomeados...) explica por si só a verdadeira importância desta produção modesta (impulsionada por Forest Whitaker, o Mordomo ele próprio) para o diálogo sobre a sociedade americana moderna: é um filme sobre questões de hoje e não sobre as suas raízes.

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