Prisões: uma realidade esquecida

Até quando durará a fatwa contra as amnistias?

“Aumento da sobrelotação para 150%, degradação das condições materiais de instalações, alegações de maus tratos a reclusos mal investigadas, segurança da população juvenil em risco” eram algumas das situações prisionais em Portugal que o Comité Europeu contra a Tortura (CPT) criticava no seu relatório, publicado em Outubro do ano passado.

Segundo declarações de um dos membros do CPT, havia nas prisões portuguesas 14 mil presos para uma capacidade de 12.077. Em meados de Fevereiro do corrente ano, os dados oficiais referiam 14.394 presos para uma lotação prisional de 12.167.

Esta é uma crise da justiça de que ninguém fala. E compreende-se. Não que não haja preocupações. Não que não se reconheça, o menos publicamente possível, que as nossas prisões são ainda um depósito de pessoas onde, em muitos casos, para além da punição da privação de liberdade a que foram condenadas, são punidas com condições de vida inaceitáveis – legal e eticamente.

Mas os tempos que correm são tempos de palco e  representação e não de reflexão e acção. Desde o século passado que não há uma amnistia em Portugal. Desde que sobre tal medida de clemência e de  gestão prisional caiu o anátema securitário do laxismo, o poder político-partidário não mais pensou sobre o assunto: colocou-lhe um calhau em cima e virou-se para questões mais relevantes.

Saliente-se que em Portugal a amnistia nunca assumiu publicamente a sua função de medida de gestão da população prisional como acontece noutros países, antes sempre sendo apresentada como uma medida justificada por um qualquer evento extraordinário.

Em 2000, quando se discutiu a possibilidade de uma amnistia pela vinda do Papa Bento XVI, o deputado Ricardo Rodrigues, do PS, lembrou ao jornal Diário de Notícias ”o carácter excepcional das amnistias”, afirmando em seguida: "Há uns anos, a visita do Papa era considerada algo assim. Agora não acredito que seja um factor tão decisivo”.

Convém lembrar que aquilo a que se chama vulgarmente amnistia contém duas medidas legais muito diferentes: a amnistia propriamente dita, que apaga totalmente o crime, o suspeito ou arguido já não é julgado pelo crime que foi amnistiado, sendo arquivado o processo-crime. E a outra medida, o perdão de penas, que é, no fundo, um encurtamento do tempo de prisão a cumprir pelos condenados a cumprir tempo de prisão. A amnistia propriamente dita, normalmente, era aplicada às chamadas bagatelas penais, isto é, crimes de pouca gravidade puníveis com pena de prisão, por exemplo, não superior a um ano, o que não inclui, por exemplo, o crime de furto, que é punível com  pena de prisão até três anos.

Quanto ao perdão de pena, na última amnistia que atravessou o nosso espaço judicial a 12 de Maio de 1999, determinava-se, por exemplo, o perdão de “um ano de todas as penas de prisão, ou um sexto das penas de prisão até oito anos, ou um oitavo ou um ano e seis meses das penas de prisão de oito ou mais anos”.

É possível que, para os nossos hábitos e costumes, tenha havido, em determinada altura, um uso excessivo de amnistias comemorativas. E, por isso, compreende-se que tenha havido uma reacção oposta. Mas não será a altura de se procurar uma qualquer nova postura mais racional, tanto em termos económicos como humanos?

Certo é que, para além da sobrelotação já referida, o International Centre for Prison Studies, ainda com dados de 2011, refere que a nossa taxa de encarceramento – números de presos por cada 100.000 habitantes – era de 113, superior à média da Europa do ocidente – 96. Contrariamente ao que sempre se diz, nem sempre os nossos juízes terão a mão tão leve e o tempo das penas aplicadas é capaz de ser excessivo em muitos casos. Matéria, claramente, para reflectirmos.

As medidas alternativas à prisão – como a pulseira electrónica – não estão ainda a funcionar em números aceitáveis e o aumento da lotação das nossas actuais prisões ou a construção de novos estabelecimentos prisionais nos tempos mais próximos não é previsível em números significativos.

Não duvidei da necessidade e do sucesso da amnistia fiscal como forma de cobrança de receitas, sendo absolutamente enganadoras as comparações entre o valor recebido e aquele a que o Estado se achava com direito e de que teria abdicado com a amnistia. Eram valores inflacionados, muitos incobráveis que se arrastariam durante anos nos nossos tribunais.

Mas, para além da amnistia fiscal, imediatamente quantificável e que permitiu a muitos cidadãos deixarem de estar do lado errado nas suas relações com o fisco, não se justificará, também, passados 15 anos desde a última e face ao nosso lamentável panorama prisional, uma amnistia e perdão de penas para os delitos comuns, aproximando muitos cidadãos de uma cidadania plena?

Parece que sim.

Advogado, ftmota@netcabo.pt

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