O filme difícil e o campeão de bilheteira são os grandes vencedores dos Óscares

12 Anos Escravo é o melhor filme, Gravidade arrebata sete prémios. Cate Blanchett, Lupita Nyong'o, Matthew McConaughey e Jared Leto são os actores de 2013.

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O realizador Steve McQueen na rodagem com o protagonista Chiwetel Ejiofor DR

Era o ano mais renhido, mas ao mesmo tempo aquele em que as expectativas se confirmaram: 12 Anos Escravo e Lupita Nyong’o receberam os Óscares de melhor filme e melhor actriz secundária, respectivamente; mas o vencedor aritmético foi Gravidade, com sete estatuetas nas categorias técnicas e para o realizador Alfonso Cuarón. O Clube de Dallas viu as transformações físicas dos seus dois actores premiadas e Cate Blanchett foi mesmo distinguida por Blue Jasmine. O grande derrotado da noite foi, sem réstia de dúvidas, Golpada Americana, que estava nomeado em dez categorias e conseguiu zero estatuetas.

Este ano, a corrida rumo aos Óscares teve suspense até ao final – o último envelope, aquele que revela o prémio mais cobiçado e potencialmente mais valioso para um filme, uma equipa e um estúdio, era aquele que, entre nove nomeados, estava reduzido a três nas contas dos críticos e peritos: 12 Anos Escravo, Gravidade e Golpada Americana. Mas à medida que a noite avançava madrugada dentro e Golpada Americana perdia categoria atrás de categoria, sobretudo quando o Óscar de Melhor Argumento Original foi para Spike Jonze por Her - Uma História de Amor, 12 Anos Escravo crescia em favoritismo. Venceu na categoria de melhor argumento adaptado (para John Ridley) e, também porque o argumento de Gravidade não estava sequer nomeado, parecia caminhar a passos largos para a consagração (é raro um filme vencer sem o seu argumento estar pelo menos nomeado; o exemplo único mais recente é Titanic).

E foi uma consagração não só para o filme baseado na história verídica de Solomon Northup, um negro livre que é raptado e vendido para escravatura, mas para Steve McQueen, o realizador que tem em 12 Anos Escravo apenas a sua terceira longa-metragem, mas sobretudo o primeiro produtor negro a vencer o Óscar de Melhor Filme. A estatueta foi parar às mãos de um Steve McQueen saltitante, que postulou que “toda a gente merece não só sobreviver, mas viver. Este é o legado mais importante de Solomon Northtup”. Também a sua Patsey, interpretada pela estrela instantânea Lupita Nyong’o venceu o Óscar de Melhor Actriz Secundária.

Este foi o primeiro papel da jovem actriz de origem queniana e mexicana, que se tornou assim na 15.ª profissional negra da sua área a receber um Óscar, que agradeceu com emoção o facto de ter passado exactamente de desconhecida para vencedora de uma estatueta dourada, dizendo que gostaria que a sua própria história servisse de inspiração a outros. E, sobre a sua personagem, cujo percurso influi directamente na categorização de 12 Anos Escravo como um filme “hard to watch” pelo seu retrato cru da violência, Nyong’o admitiu: “Não me esqueço por um momento que tanta alegria na minha vida se deve a tanta dor na vida de outra pessoa”. Patsey, Solomon e outros, disse a actriz e recém-licenciada da Universidade de Yale, “estão gratos” pelo filme de McQueen, disse.

Brad Pitt, um dos produtores de 12 Anos Escravo com McQueen, Dede Gardner, Jeremy Kleiner, Anthony Katagas, diria depois da cerimónia que este filme preenche a necessidade de compreensão dos americanos da sua própria História, "não para qualquer tipo de culpa, mas para que percebamos quem fomos para que melhor compreendamos quem somo hoje" e, "mais importante, quem vamos ser". E espera que o filme "permaneça como uma suave lembrança de que somos todos iguais. Todos queremos o mesmo, queremos dignidade e oportunidade", rematou, citado pela Hollywood Reporter

Noite com carga política e social
Muita da carga da noite foi política e social, de 12 Anos Escravo a O Clube de Dallas. Este último mostrou que o apurar das escolhas de papéis de Matthew McConaughey o levou certeiramente ao Óscar de Melhor Actor depois de ter perdido 23 quilos para interpretar Ron Woodroof, um seropositivo tornado activista, e que Jared Leto, actor há mais de duas décadas, regressou da sua carreira musical como vocalista dos 30 Seconds to Mars para receber o esperado Óscar de Melhor Actor Secundário. 

Foi a primeira nomeação para 

McConaughey e, já na sala de imprensa, este confirmou que depois de uma pausa na sua carreira, até aí muito virada para as comédias românticas, se tornou "mais um actor de processo" e que "os resultados foram melhores do que nunca" neste filme que "ninguém quis fazer ao longo de 20 anos" e que "foi recusado 137 vezes".  Já Leto dedicou o seu primeiro Óscar “aos 36 milhões de pessoas que perderam a batalha contra a sida e àqueles que sentiram injustiça por serem quem são e por amarem quem amam”, mencionando ainda “todos os sonhadores” a ver a cerimónia “em lugares como a Ucrânia e a Venezuela” que “lutam para fazer os seus sonhos acontecer e viver o impossível”.

 

 

Contudo, o melhor realizador foi o do filme rentável e escapista Gravidade. O mais bem sucedido nas bilheteiras entre os nomeados, com 512 milhões de euros de receitas mundiais (12 Anos Escravo conta com 101,6 milhões de euros), deu o Óscar ao mexicano Alfonso Cuarón, que se tornou o primeiro realizador latino a ser distinguido com aquele prémio da Academia. E, tal como em 2013, os 6028 votantes da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas fizeram de 2014 o segundo ano consecutivo em que o Óscar de Melhor Filme e o de Melhor Realizador não coincidem. Nos 86 anos de história dos Óscares, é a 23.ª vez que tal acontece.

A luta entre Gravidade e 12 Anos Escravo já se adivinhava na temporada de prémios desde que a Guilda dos Produtores empatou pela primeira vez na sua decisão para o melhor filme do ano e deu a ambos o galardão; a Guilda dos Realizadores, que há dez anos escolhe o cineasta responsável pelo melhor filme dos Óscares, votou em Cuarón pelo seu trabalho na odisseia espacial de Sandra Bullock em Gravidade – desta vez, acertou no nome do realizador mas não no título do filme que mereceu a distinção maior da Academia. 

E depois de meses de cerimónias de prémios, expectativas e contabilidade, ainda há quem gostasse de ver quem ficou em segundo e terceiro lugares na votação para o Óscar de Melhor Filme para perceber quão tensa foi a luta entre os filmes do ano de 2013, descrito como um dos mais maduros de sempre à luz da lista final dos nomeados para os 86.º Óscares. O melhor filme é escolhido por voto preferencial, com todos os membros da Academia a classificar cada um dos nove nomeados. Os filmes com menos votos de primeiro lugar são eliminados da lista e esses votos passam para o filme que surja depois na lista como mais votado.

Ainda assim, e como sempre, a noite teve muito mais de festa, com Ellen DeGeneres como apresentadora e várias actuações musicais populares, do que de contas e tensão. Cate Blanchett, uma das mais destacadas favoritas para o Óscar de Melhor Actriz por Blue Jasmine, realizado e escrito por Woody Allen, não foi vencida pela polémica que envolveu o cineasta depois do regresso das acusações de alegado abuso sexual por parte de Dylan Farrow. “Por mais aleatório e subjectivo que este prémio seja, significa muito num ano de, uma vez mais, interpretações extraordinárias de mulheres”, disse a australiana no palco do Dolby Theater, em Los Angeles.

Outros vencedores e vencidos
A celebração foi novamente em Itália quando chegou a hora de Paolo Sorrentino vencer o prémio de melhor filme estrangeiro com o seu A Grande Beleza, o 11.º Óscar para o seu país, e Frozen – O Reino do Gelo recebeu sem surpresas o prémio de longa-metragem de animação, dando à Disney o seu primeiro Óscar de Melhor Filme nesta categoria desde que a mesma foi criada, em 2002. No documentário, se o falatório era em torno de The Square, sobre a revolução egípcia e a Praça Tahrir, ou sobre The Act of Killing, uma viagem à tortura, o vencedor foi A Dois Passos do Estrelato, de Morgan Neville, Gil Friesen e Caitrin Rogers, sobre os cantores de coro na pop (estreia-se em Portugal a 10 de Abril).

Apesar do peso das estrelas do mainstream como Pharrell Williams, Karen O ou os U2 na categoria de Melhor Canção, foi Let it Go, de Frozen – O Reino Gelado o vencedor. O Melhor Guarda-Roupa e Cenografia foram para O Grande Gatsby, de Catherine Martin, e a Caracterização de O Clube de Dallas foi também premiada.

Os perdedores da noite, que teve selfies e pizas cortesia de DeGeneres, foram então Golpada Americana, de David O. Russell, que teve zero Óscares em dez nomeações, mas também O Lobo de Wall Street, de Martin Scorsese, que viu escapar-lhe todas as estatuetas a que concorria, nomeadamente a de Melhor Actor para Leonardo DiCaprio. Filomena, de Stephen Frears, um nomeado sem favoritismo mas com pedigree (Frears, Judi Dench e Steve Coogan), também saiu de mãos a abanar. Gravidade, que partia com dez nomeações, vence não só o Óscar de Melhor Realizador e Melhor Banda-Sonora Original, mas também a Fotografia, Montagem, Montagem de Som, Mistura de Som e Efeitos Visuais. 

 

 
 

 

 

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