Ainda há lacunas na protecção à infância que servem o tráfico e a exploração

Resultados do projecto Impact – Melhorar e Monitorizar os Sistemas de Protecção Contra o Tráfico e a Exploração de Crianças apresentados em Lisboa.

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Há um recuo na luta contra o trabalho infantil Daniel Rocha

Uma boa notícia: no papel, Portugal está na vanguarda – assinou as convenções internacionais, integrou-as na legislação nacional. Uma má notícia: da teoria à prática vai alguma distância. Uma e outra serão dadas esta quinta-feira num seminário, no Centro de Estudos para a Integração Social (Cesis), em Lisboa.

O encontro servirá para apresentar os resultados do projecto Impact – Melhorar e Monitorizar os Sistemas de Protecção Contra o Tráfico e a Exploração de Crianças. Partindo de uma revisão da legislação e da bibliografia, o trabalho passa por conversas com profissionais, mas também com crianças e jovens em risco.

Quer o tráfico, quer a exploração de crianças se servem de lacunas existentes nos sistemas de protecção, adianta Pedro Perista, investigador do Cesis, a entidade que desenvolveu este projecto em Portugal – outras o fizeram na Grécia, em Itália e em Chipre. Algumas foram identificadas. Por exemplo: continua a haver crianças na rua, como se o sistema de protecção não existisse.

No documento, que apresentará, manifesta preocupação com os efeitos da crise. Cresce o desemprego e a precariedade, diminui o rendimento das famílias, aumenta o custo de saúde, reduzem-se apoios sociais. No meio desta espécie de vendaval, até que ponto se pode garantir “o funcionamento pleno das entidades de primeira linha e das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens”?

Parece-lhe que neste instante se anda para trás. Encontraram sinais de recuos na luta contra o trabalho infantil. Haverá “poucas inspecções proactivas que tornem possível à inspecção do trabalho reportar casos de vítimas de tráfico”. Além disso, “apenas um número limitado de inspectores/as do trabalho foram especificamente formados/as para lidar com as questões do tráfico”.

O investigador reconhece melhorias, inclusive no caso das crianças desacompanhadas requerentes de asilo/refugiadas e vítimas de tráfico. Mas lembra, por exemplo, que, pela lotação dos centros destinados a vítimas de tráfico, algumas são acomodadas em estruturas sem vocação específica – casas-abrigo para vítimas de violência doméstica, na maior parte dos casos.

O Código Penal, há pouco revisto, penaliza “quem, por qualquer meio, recrutar, aliciar, transportar, proceder ao alojamento ou acolhimento de menor, ou o entregar, oferecer ou aceitar, para fins de exploração, incluindo a exploração sexual, a exploração do trabalho, a mendicidade, a escravidão, a extracção de órgãos, a adopção ou a exploração de outras actividades criminosas".

O número de condenações por tráfico mantém-se baixo. E isso leva os investigadores a questionarem-se sobre “possíveis lacunas nos procedimentos de investigação e de apresentação dos casos em tribunal”. A indemnização a vítimas também está quase por explorar, o que indiciará falta de informação.

No final do relatório que resulta do projecto, consta uma série de recomendações: que o país leve a lei à prática, assegure “uma estratégia coerente, continuada e de longo prazo, centrada no superior interesse das crianças”; garanta, “apesar dos constrangimentos orçamentais, que o enfoque das políticas seja nas necessidades das crianças”; e dê formação contínua aos diversos agentes envolvidos na protecção e prevenção.

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