A depressão pós-troika

Um consenso para o crescimento poderia unir partidos e parceiros em torno de políticas de longo prazo que fossem além dos cortes ou da disciplina orçamental.

Se analisássemos os discursos políticos dos últimos 12 meses, entre as palavras mais comuns encontraríamos certamente os substantivos "consenso" e "crescimento". A realidade é, porém, antónima desses discursos. Só nos dá cortes e desacordos. Com o programa de ajustamento a chegar ao fim, aproxima-se a hora da verdade. Afirma Passos Coelho que o país está melhor; como é isso possível, se os portugueses estão pior, questiona a oposição.

Resposta pouco consensual: na mesma, na menos má das hipóteses. No instante em que a troika fechar o guarda-chuva do memorando, estaremos entregues a nós próprios, que é como quem diz aos mercados. Ao que parece, a Europa já decidiu atirar-nos para a piscina. Desenrasquem-se, amigos. Portanto, estamos mais ou menos de volta ao Verão de 2010, muitos meses à frente do programa de ajustamento. Quando o problema era convencer José Sócrates e Passos Coelho que os entendimentos eram o único antídoto possível contra os mercados. Talvez um dia venhamos a olhar para estes três anos da troika como um intervalo. Trágico sim, mas um mero interregno de uma desgraça ainda pior: a ingovernabilidade de Portugal.

Corre-se mesmo o risco de passarmos por uma depressão pós-troika.

Benjamin Franklin, um dos pais fundadores dos Estados Unidos, escreveu que, “quando se quer persuadir alguém, deve-se apelar mais aos interesses do que à razão”. O que temos visto no mapa político português é o oposto disto. Um desconcerto absoluto fundado em princípios ideológicos extremados que não resistem ao teste da realidade.

A maioria PSD-CDS fala do consenso como se fosse um casamento de conveniência. No discurso da maioria, consenso é o PS dar o seu consentimento às políticas do Governo. Mas exigir ao interlocutor que faça hara-kiri político como condição para iniciar um debate é o mesmo que passar uma certidão de óbito antecipada ao “consenso”. De resto, ninguém dialoga com mortos.

Pelo seu lado, os socialistas radicalizaram o discurso. António José Seguro excluiu mesmo a maioria do consenso europeu que existe há décadas em Portugal, quando, para bem e para o mal, a maioria está alinhada com os consensos que existem hoje na Europa e que são muito diferentes dos que existiam em 1986 ou em 1992. Mas o mais grave no discurso dos socialistas é teimarem em não dizer as partes más, nem assumirem que, quando chegarem ao poder, terão de meter na gaveta boa parte do que andam a dizer agora.

O que separa Passos Coelho e António José Seguro resume-se num parágrafo. O Governo acredita que do ajustamento e da austeridade nascerá o crescimento. O PS acredita que não precisa de fazer cortes, porque vai ter políticas de crescimento que serão suficientes para pagar o Estado social.

Os números não são o meu forte, por isso atenho-me à semântica. Há décadas que Portugal procura um modelo de desenvolvimento económico que ninguém sabe qual é. Mas essa minudência não conta nos discursos de Passos ou de Seguro. Para ambos, o crescimento está garantido. Ou é o pote de ouro escondido no fim do arco-íris de austeridade, ou a razão pela qual podemos dispensar a austeridade. Por um lado ou pelo outro, esta fé no crescimento parece sustentada mais num pensamento mágico do que na ciência económica.

Já sabemos que nem a maioria admite que cortou de mais, nem o PS aceita que terá de cortar. Não seria mais inteligente então os dois partidos comprometerem-se a construir um consenso para o crescimento, antes de se verem obrigados, por força da pressão externa, a acordarem em mais cortes?

O país precisa de uma solução inovadora para sair da camisa-de-forças em que se encontra. É esse o interesse de todos que todos devíamos procurar, em vez de ficarmos reféns de razões ideológicas mal- amanhadas e desfasadas da realidade. Uma solução inovadora é um acordo interno que possa ser apresentado às instituições europeias, que nos dê uma maior margem para crescer e mais tempo para executar uma reforma do Estado duradoura.

Um acordo sobre o modelo de crescimento permitiria inverter os termos da balança e colocar a economia no posto de comando das reformas. E tornaria possível um consenso que acomodasse as ideias do PS sobre o crescimento e que ao mesmo tempo estabelecesse metas para a reforma do Estado e para os cortes na despesa pública mais diluídos no tempo e com os quais os socialistas se poderiam comprometer. Ao mesmo tempo obrigaria o Governo a sair da sua ortodoxia liberal.

Apesar de Governo e PS terem ideias diferentes sobre o desenvolvimento económico, este é um campo em que é mais fácil encontrar um ponto de convergência do que no tema dos cortes. Um consenso para o crescimento, que ultrapassasse a esfera dos partidos e fosse alargado aos parceiros sociais, exigiria ousadia e imaginação. Ousadia e imaginação sempre foram boas receitas para combater depressões. E talvez nos livrassem de uma depressão pós-troika.

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