Mostra sobre Darwin que custou meio milhão continua em caixotes

Objectos que integraram exposição da Gulbenkian estão há dois anos e meio guardados num armazém degradado, onde entra chuva. Futuro Museu da Ciência não tem data para avançar

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Parte do espólio que integrou a exposição organizada pela Gulbenkian esteve armazenada em caixotes desde Agosto de 2011 Nuno Ferreira Santos

O PÚBLICO teve acesso a fotografias do interior do antigo armazém industrial, tiradas no final de 2013, que mostram os caixotes de papelão no chão de cimento molhado, com marcas de infiltração de água no cartão visivelmente amolecido, cobertos de pedaços de estuque caídos do tecto. Alguns dos vidros que permitem a entrada de luz natural no espaço foram partidos e a água da chuva entra com facilidade. Até os pombos ali encontram abrigo – e não serão os únicos, tendo em conta sinais recentes de arrombamento do portão.

A câmara diz apenas que “os objectos da colecção Darwin encontram-se armazenados e acondicionados em caixotes selados, tal como vieram da exposição do Porto [onde esteve depois de ter passado por Lisboa e por Granada, Espanha], em armazém do concelho de Oeiras.” O PÚBLICO pediu para visitar o local mas a autarquia recusou, argumentando que os caixotes “não serão abertos, pelo que não faz sentido a visita pretendida”. Aliás, os caixotes “apenas serão abertos quando da montagem da exposição”, diz, sem adiantar uma data.

A 30 de Janeiro de 2012 o PÚBLICO noticiou que os objectos não serviam para montar uma exposição, como estava previsto. A maior parte do conteúdo científico e das réplicas de animais usados nas exposições em Lisboa, Porto e Granada pertenciam a outras entidades, que no fim reclamaram as peças. Sobraram vitrinas, estruturas de suporte, vidros, floreiras, painéis em espanhol, computadores e monitores LCD, que chegaram a Oeiras em “mau estado” e “sem qualquer aproveitamento”, segundo documentos assinados por técnicos camarários. Para exposição há apenas uma “ilha de bichos”, uma figura de Darwin em cera, parte do Beagle (navio utilizado pelo naturalista nas suas pesquisas), alguns pássaros e fotocópias de livros do cientista.

No protocolo assinado em 2008 entre a câmara e a Fundação, esta comprometia-se a dar apoio técnico na montagem da exposição no Museu da Ciência de Oeiras, pensado desde 2005 para o edifício 51 da Fábrica da Pólvora de Barcarena. A Gulbenkian diz que “houve contactos” com a autarquia em 2012 mas “não destinados a qualquer montagem de exposições”, e acrescenta que se mantém “disponível para estudar o apoio técnico a desenvolver”.

Questionada sobre se mantém a intenção de montar a exposição, a câmara diz apenas que está “a estudar a melhor forma de dar visibilidade aos objectos”. E acerca do projecto do Museu da Ciência, repete a resposta dada em 2012, que aponta para um “programa mais contido” do que tinha sido pensado inicialmente. Mas nem uma palavra sobre quando poderá avançar.

Câmara desmente-se a si própria

Segundo o protocolo de 2008, a autarquia ficou de financiar em 500 mil euros a exposição em troca de parte dos materiais, que teriam de ser pagos até dois meses antes da inauguração do evento na Gulbenkian, em Fevereiro de 2009. Em Janeiro de 2012, faltava pagar 125 mil euros. Após a notícia do PÚBLICO, a Gulbenkian disse, numa carta assinada pelo então administrador Diogo de Lucena, que a câmara “nunca cumpriu as datas de pagamento”. Em resposta, a autarquia – à época presidida por Isaltino de Morais – disse que só pagaria o restante quando recebesse “em condições objectivas de exposição”, os materiais constantes da lista anexa ao protocolo.

Noutro esclarecimento ao PÚBLICO a 31 de Janeiro de 2012, a autarquia admitia que “existem na realidade algumas divergências” entre as duas partes sobre o material que constava da lista e o que efectivamente recebeu. Agora, a câmara presidida por Paulo Vistas diz que já pagou os 125 mil euros que faltavam – o que a Fundação confirma – mas nega o que disse há dois anos: “A câmara municipal nunca disse que havia ‘divergências’ entre a autarquia e a Fundação.” Mas esta não é a única contradição.

A escolha do armazém da Fundição de Oeiras para guardar o acervo da exposição era temporária. A câmara pretendia transferir os materiais para o Quartel da Bateria do Carrascal, em Linda-a-Velha, que foi desafectado do domínio militar e vendido à empresa pública Estamo. Ficariam lá enquanto não estivesse pronta a requalificação do Edifício 51 da Fábrica da Pólvora de Barcarena, por uma renda mensal de mil euros. A 19 de Janeiro de 2012, a autarquia disse ao PÚBLICO que estava “a ser feito um estudo para a transferência do espólio para este local [o quartel de Linda-a-Velha]”– embora os técnicos da autarquia entendessem que “nenhum dos edifícios” do quartel, “sem obras, sem cuidado e sem projecto”, estava em condições de receber a exposição. Agora, questionada sobre se mantém a intenção de transferir os caixotes para este espaço, a câmara desmente-se a si própria. “Em Janeiro de 2012, na resposta que a Câmara deu ao PÚBLICO não era referido qualquer tipo de transferência.”

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