Um estatuto do juiz europeu

O apelo à criação de um estatuto do juiz europeu não é uma reivindicação corporativa, é uma exigência da cidadania europeia.

Decorre por estes dias em Braga uma iniciativa que junta académicos, juízes e procuradores de vários países da Europa e também do Brasil. Vai-se discutir o futuro próximo da justiça em espaços transnacionais, naturalmente com os olhos postos no quadro legal que levará à criação do procurador-geral europeu.

Quem acompanha o processo de integração política da Europa dos últimos sessenta anos, não pode deixar de sublinhar que, nos momentos mais difíceis de integração, emergem sempre decisões judiciais, tanto do TEDH como do Tribunal de Justiça, em que se afirma, de  forma inequívoca, a ideia de Europa, nomeadamente os seus valores jurídicos, como objectivo central de uma verdadeira cidadania.

Do ponto de vista jurisdicional o processo de integração europeia tem sido feito de forma sustentada. Hoje, os juízes dos 28 países que integram a União Europeia não são apenas juízes  de cada um dos respectivos países. São juízes europeus.

E se os cidadãos dos nossos países podem hoje ver satisfeitos os seus direitos da mesma forma em qualquer dos países da União, e mesmo invocar essa medida igual de "cumprimento" dos direitos em cada um dos países, torna-se necessário que o quadro normativo e estatutário de cada uma das magistraturas seja, também ele, idêntico em cada país.

A Europa não pode suportar juízes de "primeira" e juízes de "segunda" na afirmação e aplicação de um único direito.

Um espaço judiciário europeu, que assenta no princípio da harmonização e sobretudo no princípio da confiança, tem de se sustentar em quadros normativos orgânicos semelhantes para os tribunais e para as magistraturas.

O direito ao juiz, consagrado na CEDH e na Carta dos Direitos Fundamentais, tem um conteúdo.

E esse conteúdo, no âmbito penal, concretamente quando se vai avançar com um passo absolutamente relevante na construção de um espaço judicial europeu com a criação da figura do procurador-geral europeu, tem de incidir numa dimensão efectivamente garantística.

O juiz de garantias ou o juiz de liberdades, como garante primeiro dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos que se vêem afectados por uma qualquer investigação criminal na Europa, seja no âmbito da coordenação de um procurador-geral europeu, seja no âmbito da coordenação de uma Procuradoria Nacional, tem de ter o mesmo estatuto e ser dotado dos mesmos poderes independentemente do país onde se insere.

O apelo à criação de um estatuto do juiz europeu não é, pois, uma reivindicação corporativa. É uma exigência da cidadania europeia.

A dificuldade prática de atingir, num futuro próximo, a meta de um Código de Processo Penal Europeu, pode ser superada pela existência de um quadro jurisdicional de garantia, comum a todos os Estados da União.

Essa provavelmente será a "moeda de troca" para um quadro de investigação criminal maximalista.

Presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses

 

 

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