O confronto de (talvez?) 2015

Eu não sou grande partidário da utilidade de dividir o mundo da política como de esquerda e direita, o que para a esquerda é uma típica posição de direita.

Não importa. A verdade é que vejo muito pouca utilidade nessa distinção para analisar o que se passa nos dias de hoje, quer no mundo, quer em Portugal. E muito menos para agir.

Para utilizar um termo mais preciso, a divisão esquerda-direita, fora da tradição e da história, não tem qualquer capacidade heurística. Pode ajudar a construir identidades em crise, o que já não é pouco, pode permitir a alguém arregimentar-se num grande exército mundial de um dos lados, o que revela uma grande capacidade de recrutamento, mas quando preciso de saber o que fazer, sabe-me a pouco.

Por manifesta falta de ambição analítica, vou-me ficar por Portugal para tentar ver para que serve esta divisão, que coloca o PSD e o CDS, e uma plêiade de “neo-liberais” (para usar o jargão) de fresca data, à direita, e o PS, o BE, os “livres” e os 3D, mais o PCP, à esquerda. Eu lá habito uma espécie de terra de ninguém, que à direita é tratada como sendo de esquerda, de esquerda furiosa, extrema-esquerda, comuna ou comunista, conforme a delicadeza verbal do emissor do epíteto. Por sua vez, à esquerda sou de direita, seja na versão moderada de “um verdadeiro social-democrata”, ou seja um tipo que é da direita da esquerda ou da esquerda da direita, e lá admitem, com enorme dificuldade e sempre com um caveat, que “devem estar doentes”, porque concordam comigo… Porquê? Porque percebem que eu quero ver este governo “na rua”, e eles também, e que não sou manso nessa vontade.

Voltando atrás. A favor ou contra o governo, - ora aqui está uma divisão muito mais útil, mas com bastante menos fama e prestigio teórico: ser da “situação” ou ser da “oposição”, como se dizia no passado. Por aqui, já se pode chegar a algum lado, sem precisar de ir muito longe nas classificações de esquerda e direita, mesmo que possa merecer o desdém daquelas que alimentam alguns dos rodriguinhos mais vulgares da nossa política, o “pensar pela positiva”, o “não falar sem ter alternativa”, ou “não fazer só criticas mas propor soluções”. Soluções, parto certamente de uma: ir a eleições, mudar de governo. É aliás bastante poderosa e abre caminho a todo um outro mundo.

Mas para haver uma “oposição” eficaz, começa outro tipo de problemas, para cuja resolução a esquerda de per si de pouco serve. O PS, é o que se sabe. Como Seguro é o melhor seguro para o governo, este nem se importa de perder eleições europeias, (sem ser por esmagamento, claro!), para manter esse seguro. Á jugular de Seguro só irão em 2015, quando o jogo for muito mais sério.

O grande buraco negro da “oposição” em Portugal, é o PS, que por si só desequilibra toda a “oposição” ao governo. É-o por inacção e por omissão, mas é-o também porque transporta consigo a memória e a responsabilidade da origem da crise, e, por muito que Sócrates fale todas as semanas, este é um adquirido na consciência colectiva. Por isso, o PS é uma espécie de dragão chinês que quase não se mexe, com um enorme rabo-de-palha e com uma cabeça minúscula que só sabe fazer salamaleques, e repetir “como eu disse há meses e então todos me criticaram”…

A grande contribuição do PCP para a “oposição” foi ter mantido a CGTP sempre na rua. Sem a CGTP na rua, ou seja sem sindicatos, nem agitação social, mesmo que controlada, estes homens do poder estariam de pedra e cal. Há uma tendência nefelibata para menosprezar o papel dos sindicatos e da “rua”, mas sem eles haveria a calma dos cemitérios que o poder mais deseja. Nos professores, nos polícias, nos funcionários públicos, por pouco que se tenha conseguido defender, o que se conseguiu deve-se á combinação da resistência social com o suscitar do papel dos tribunais para travar os abusos do poder político. A famosa “judicialização” da política foi uma normal consequência do permanente pisar do risco da legalidade por parte do governo, e era por isso inevitável.

Mas um sério factor de crise da “oposição” encontra-se no desfasamento entre a autoridade e pertinência das vozes moderadas vindas do PSD e do CDS, que perceberam muitas vezes de forma mais completa e sem transigências, o que se estava a passar, e a ausência de qualquer apoio significativo nos seus partidos, tomados por uma partidocracia que bloqueia, em nome dos seus empregos, qualquer papel na ruptura com o actual estado de coisas. É fácil dar conselhos paternalistas do género de “devem ir fazer o caminho das pedras” ou quejandos, no fundo, explicando que não há outro método que não seja “contar espingardas”, ou juntar sindicatos de votos desavindos. Não serve para os dias de hoje, fazer o mesmo do que se combate. É da sociedade para os partidos que, mesmo os homens de partido, podem mudar alguma coisa.

Se se quiser travar este caminho de desastre não se vai lá com esquerda versus direita, mas com a aliança que já existe de facto entre os que se opõem a este governo, a começar pelos que estão no PSD, no CDS, ou no PS, e que representam a única esperança do sistema político-partidário da nossa democracia sobreviver á crise. A responsabilidade de Rui Rio e de António Costa é grande, até porque são os únicos que nos seus partidos juntam legitimidade eleitoral junto dos portugueses com experiência governativa. Com eles, há que conversar com todos a começar pelas forças sociais, sindicatos e confederações patronais, porque não se pode estar sempre a falar da gravidade da actual situação e depois actuar como se fosse tudo como dantes. Na verdade, isto corresponde ao sentimento dos portugueses comuns, que estão literalmente “passados” com este governo, como também fartos de muita da sua oposição majestática. Por isso, nunca houve tanto eleitorado disponível, mas ele é, como se diz, “horizontal”, sem desprimor para as “grandes horizontales”.

Existe um programa comum possível? Existe. Eu penso que se deve ser intransigente com a “obra” deste governo, cuja destruição do país, o salgar da terra portuguesa, vai durar muito para além sequer da memória de algumas das suas figuras, mas entendo que isso não significa colocar debaixo do tapete alguns dos problemas que estão na base de muita retórica governamental e defrontá-los com moderação. Dito de outro modo, depois de se tirar a canga de mentiras úteis com que se envolveram questões como a do défice e da dívida, destinadas a permitir um esboço, mal amanhado é certo, de programa revolucionário “neo-liberal”, para “mudar o país”, não se pode deixar de defrontar o problema … do défice e da dívida. Em termos realistas, moderados, reformistas e num tempo correspondente ao das democracias. É aqui que é necessário o maior e mais largo entendimento, faseado, limitado no tempo, controlado nos seus resultados, maleável ao ponto de ser alterado se necessário, e combinado com uma outra atitude face á Europa e ao papel de Portugal na União.

Tudo isto quer dizer que se pensarmos que em 2015 o grande combate é da “esquerda” face á “direita”, não se vai a lado nenhum. Um programa máximo de unidade contra o actual poder, só é eficaz se for combinado com um programa mínimo quanto aos problemas de soberania, pertença à Europa, euro, economia e contratos sociais garantidos, que reponham a esperança no presente. Abandonando o sinistro radicalismo destes últimos anos, e a sua mistura de jactância e incompetência, e actuando de forma a dar ao estado a sua independência em relação à captura pelo sistema financeiro. A não ser assim, é a democracia que está em risco.

 

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