Morreu o realizador Miklos Jancso, mestre dos planos-sequência

Húngaro, morreu aos 92 anos. Foi distinguido com a Câmara de Ouro em Cannes, bem como com prémios carreira do festival francês e também do Festival de Veneza.

Foto
Jancso em sua casa em 2012 FERENC ISZA/afp

O realizador húngaro Miklos Jancso, que filmou mais de 30 longas-metragens, entre as quais cinco candidatas ao prémio de melhor realizador no Festival de Cannes, morreu sexta-feira aos 92 anos de cancro pulmonar. A Câmara de Ouro seria sua uma só vez, em 1972, por Red Psalm.

Prolífico profissional, com 81 créditos como realizador entre longas e curtas-metragens ao longo da sua carreira, Jancso assinou a sua primeira longa tardiamente – aos 37 anos, em 1958, quando estreou The Bells Have Gone to Rome. Em 1950, tinha começado a realizar curtas-metragens. O realizador Bela Tarr, que reconhece ter construído a sua carreira sobre o legado de Jancso, disse sexta-feira à agência noticiosa húngara MTI, citada pela Reuters, que o mundo está “mais pobre” com a perda do seu conterrâneo. “Perdemos o melhor realizador de cinema húngaro de todos os tempos, um pensador e um verdadeiro democrata”, lamentou.

O seu trabalho como cineasta marcou o cinema húngaro - na forma como filmava, optando por planos longos e sequenciados sem quebras, marcando a passagem do tempo pelas mudanças de figurinos e também pelos temas que escolhia, nomeadamente a relação entre os cidadãos e o poder. “Sempre me preocupei com o problema do indivíduo e a forma como ele navega através da história”, disse, citado pela Associated Press, resumindo o cerne dos seus filmes. A sua Câmara de Ouro de 1972 é um exemplo de tudo isto – um filme sobre uma rebelião de camponeses no século XIX feito apenas de 26 planos-sequência.

Depois, seguiria um caminho diferente, ao utilizar o caos como princípio organizador de cada filme.

Foi reconhecido em Cannes com o prémio de carreira em 1979 (o Festival de Veneza distingui-lo-ia também, mas em 1990) depois de ter sido nomeado para o prémio de melhor realizador, a Câmara de Ouro, em primeiro lugar por The Round Up em 1964, filme cuja presença em Cannes só foi autorizada pelo governo comunista húngaro depois de Jancso ter convencido o executivo de que o filme nada tinha a ver com a revolução falhada anti-soviética de 1956. The Round Up era na verdade uma alegoria sobre a liberdade e a opressão.

Jancso chamou a atenção da crítica e do público pela sua segunda longa-metragem, Cantata, em 1963, contando-se, além de The Round Up, The Red and the White (1967) e Silence and Cry (1968) entre os seus filmes mais bem sucedidos - usava muitas vezes a nudez ou semi-nudez feminina como símbolo de fragilidade. Em 1986, realizou Dawn a partir do livro homónimo do Nobel da Paz Elie Wiesel sobre a busca de identidade judaica em Israel.

Filho de refugiados, Jancso foi prisioneiro de guerra do regime soviético entre Abril e Novembro de 1945, tendo-se juntado ao Partido Comunista húngaro em 1946. Nas décadas de 1970 e 1980, tornou-se uma voz crítica do regime comunista do seu país. Casado por três vezes e com quatro filhos, viveu uma década em Itália e ali trabalhou em vários filmes. Na sua Hungria natal, era conhecido no meio como “tio Mike” e era uma figura politicamente interventiva, tendo sido candidato a deputado, além de ser um defensor da legalização da cannabis. “O prazer estético mais nobre é a descoberta da verdade”, disse Jancso à revista Filmvilag.

Sugerir correcção
Comentar