O turismo de saúde: entre a realidade e a utopia

Criar utopias fomentadas por vaidades pode destruir os passos encetados.

Ao longo de vários anos, Portugal tornou-se uma potência turística. Esta conquista resulta da convergência de vários vetores, uns mais valorizados que outros. A história e a cultura do seu povo; a visão de Portugal no mundo, muito influenciada por uma diáspora de identidade forte; a sua localização; as suas paisagens simultaneamente multifacetadas e próximas; e um clima ameno são fatores de atração reconhecidos internacionalmente. Mas muitos outros valores concorrem para esta vocação de saber receber: a segurança, a simpatia, a gastronomia e as infra-estruturas.

Considerando que turismo é uma terapêutica de bem-estar físico e mental, parte desses turistas que nos visitam podem aceitar complementar o descanso e o lazer com terapêuticas adequadas que ampliem os efeitos do bem-estar induzido pelo turismo. É este o espetro de intervenção do turismo de saúde. Esta simbiose da viagem, das experiências diferentes, do esquecer de problemas, com tratamentos simples, sem riscos, com produtos muito bem estruturados, deve ser apresentada como um complemento valorativo das férias.

Neste contexto, o termalismo, os tratamentos de talassoterapia, de estética, fisioterapia intensiva e antienvelhecimento, onde a inovação se mistura com a multidisciplinaridade – configuram a criação de centros com elevado potencial de atração. Noutro contexto, podemos atrair um turismo sénior de doentes dos cuidados terciários e que podem vir fazer férias a Portugal em unidades semelhantes, com a garantia que encontrarão o mesmo nível de cuidados.

No turismo de saúde têm que surgir projetos integrados, multidisciplinares, com coordenação bem definida e vendidos como produto acabado. Devem ter um “selo” de garantia e sujeitos a auditorias e controlos de qualidade. O seu lançamento pressupõe credibilidade, com marketing adequado, e ser o resultado de projetos devidamente avaliados e não baseados em meras estratégias para obtenção de financiamentos oficiais. O Estado deve aparecer como facilitador da iniciativa privada e como garante de qualidade.  

Nos antípodas, surge o chamado turismo médico – nome um tanto “retocado” da ação de captar doentes que acreditem na qualidade e credibilidade organizativa e técnica dos prestadores de saúde nacionais. Este turismo pressupõe um relacionamento triangular, constituído pelo doente, com o financiador (seguradora) e o prestador. Neste triângulo, o vértice principal é o doente/cliente que escolhe livremente; outro vértice – a sua seguradora, que pode ser uma entidade pública ou privada; e o terceiro vértice é o prestador, que assegura a efetivação dos cuidados de saúde num modelo de relacionamento pautado pela  personalização, transparência e qualidade. Neste relacionamento triangular não há lugar, como no SNS, a utentes passivos ao quais uma máquina administrativa atribui um hospital, um médico ou um destino.

A não ser que o modelo coletivista e centralizador do nosso SNS acompanhe os tempos e se transforme, os nossos prestadores públicos dificilmente podem estar presentes num mercado que intrinsecamente negam e, por consequência, nem saberão assumir.

A oferta de prestadores privados insere-se num contexto completamente diferente. Os hospitais privados portugueses são unidades modernas, bem equipadas e que centram os cuidados no cliente. A sua cultura de mercado obriga-os a serem inovadores, a terem qualidade, a praticarem a racionalidade económica e o seu presente e futuro estão intrinsecamente ligados à opinião e opção livres dos clientes. A agilidade da sua gestão permite uma adaptabilidade à procura e uma capacidade de induzirem essa procura.

O incremento do turismo médico não vai ser fácil em Portugal. Os países vizinhos têm bons hospitais, alta tecnologia e doentes muito exigentes. Só podemos captar doentes da Europa ou de países desenvolvidos através da inovação, com profissionais formados em centros de referência e com boa relação de preço/qualidade, que permitam, sem rodeios, uma escolha fortemente informada, com indicadores clínicos certificados, que vão desde a taxa de infecção hospitalar às taxas de morbilidade e mortalidade, com passagem pelas taxas de sucesso e outras. O doente que vem quer conhecer o curriculum do cirurgião, da sua equipa e a qualidade das instalações técnicas do hospital.

Muitos doentes de países africanos e até alguns europeus já procuram os nossos hospitais privados e a tendência vai ser de crescimento. O mesmo se passa com doentes de origem portuguesa que andam por esse mundo e que não esquecem a sua identidade. Poderemos tentar outros clientes, mas para isso necessitamos de aumentar a nossa massa critica e a nossa dimensão técnica. Já é patente o esforço e o êxito alcançado por algumas unidades privadas.

O Estado e, em especial, o Ministério da Saúde deveriam focar o seu papel na criação de políticas adequadas ao desenvolvimento do sector privado como único garante de crescimento. Pelo contrário, a entrada, no mercado, do sector público da saúde não só tem contornos contraditórios como pode inquinar os esforços da iniciativa privada. Os exemplos de países que têm um turismo médico forte devem servir de mote às autoridades.

Se no turismo de saúde o crescimento vai ser natural e fácil, já no turismo médico os passos têm de ser bem medidos, são difíceis e rigorosos. Criar utopias fomentadas por vaidades pode destruir os passos encetados. O mesmo acontecerá com a oferta de produtos pouco credíveis, produzidos para utentes e não para clientes exigentes. Num turismo de saúde, não há lugar a utentes!

Presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada
 

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