A Vida Secreta de Walter Mitty

Este elogio do classicismo (a comédia americana), até mesmo do arcaísmo - é tenebrosa a nova administração da Life, que reformula e despede para atirar a revista para o mundo do digital; mas anda por lá um solitário com a mão cheia de sonhos que se aventura a quebrar a monotonia da sua vida... - é de uma eficácia, talvez até mesmo de um virtuosismo, dúplice. É como se a memória que repira em A Vida Secreta de Walter Mitty tivesse também sido construída online, pela acumulação de clicks. Isto é, o filme faz sobretudo surf sobre um património - tal como exibe as capas da revista Life, com Peter Sellers, Marilyn e todos os outros, como mera acumulação. É um filme de superfícies e que de tempos a tempos precisa de explodir em fogos-de-artifício - porque os seus tempos, na verdade, são os do show televisivo. Stiller dirigiu em tempos Jim Carrey (O Melga, que ainda é o seu melhor filme como realizador e fica como um dos mais interessantes do actor). Como seria A Vida Secreta de Walter Mitty com Carrey? Este parece ter incrita no corpo uma memória que furiosamente se liberta e contorce como revolta orgânica; Stiller é um espectador da memória alheia, capaz de a reproduzir, capaz de a imitar, conseguindo que a tomem como sua; mas é uma (amável) impostura.

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