Nem Lovelace é Rashomon, nem Rob Epstein e Jeffrey Friedman são Akira Kurosawa; mas uma das melhores ideias desta biografia da infame actriz de Garganta Funda é contar a história da ascensão ao estrelato de Linda Lovelace em dois “tempos” diferentes. Primeiro, a “versão oficial” e autorizada, com a menina inocente a dar por si projectada para porta-voz de um novo feminismo libertário numa era onde a contra-cultura queria dar cartas; depois, a “verdade dos factos”, pelos olhos de uma Linda mais velha e finalmente livre do casamento abusivo que a encerrou para sempre numa imagem onde nunca se sentiu confortável. Até aqui tudo bem; mas Epstein e Friedman, vindos do documentário, não conseguem fazer de Lovelace mais do que uma história simples e dramaticamente algo convencional de violência doméstica, subestimando a dimensão transgressiva, libertária, que está na sua origem. Não é culpa dos actores - impecáveis, todos, com destaque inevitável para a fragilidade de Amanda Seyfried, para a intensidade de Peter Sarsgaard e para a surpresa de uma Sharon Stone irreconhecível - nem da excelente reconstituição do período (sem evitar uma certa nostalgia por um tempo histórico que abriu portas que não soube manter abertas). É, apenas, uma constatação da dificuldade dos dois documentaristas, depois do intriganteUivo, de se abandonarem por completo às exigências do cinema narrativo, como se a sua formação lhes tolhesse a entrega necessária para fazer com que Lovelace ganhasse o embalo que, a espaços, promete sem realmente cumprir.
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