A Propósito de Llewyn Davis

A suspeita pode instalar-se de cada vez que os Coen abandonam os códigos do “filme de género”, onde habitualmente afiam os dentes, para, supostamente, se entregarem a uma história e às suas personagens. Inside Llewyn Davis chega-nos como a evocação das dark ages da cena folk em Greenwich Village no final dos anos 1950, antes de Bob Dylan, antes dos ícones, um mundo ainda dos que desistiram. A suspeita vai-se confirmando: é um alibi, não é propriamente um retrato, muito menos afectuoso, de um mundo; é, como noutros filmes da dupla, o retrato da obsessão de uma personagem, Llewyn Davis (interpretação celebrada de Oscar Isaac, actor de origem guatemalteca), que é uma construção a partir de uma figura real da era pré-Dylan, Dave Van Ronk. Tudo o que gira à volta de Llewyn Davis pode bem ser a distorção de um obsessivo, como a realidade à volta de Barton Fink. O que faz com que os Coen não resistam a usar Carey Mulligan, Justin Timberlake ou John Goodman, que interpretam personagens com quem Davis se cruza, para o habitual e meticuloso jogo de aparições e de máscaras – mas é essa a questão, usá-los para... Nesta oscilação entre a crença inicial e a evidência do alibi, pode acontecer ao espectador desprender-se do filme. Que tanto lhe aparece como relevante ou como produto de uma excentricidade inconsequente – que é, bem vistas as coisas, como os Coen têm caminhado ao longo da sua carreira. É bem feito, humor incluído. O filme, o melhor da dupla desde Este País Não É Para Velhos, até faz pausas para se ouvir a música (ou será que é para se rir com a música?). Mas o compromisso dos cineastas é, não com uma história ou com um grupo de personagens, antes com a engenharia do argumento, com o polimento das peças do seu dispositivo. Que até inclui um gato ao seu dispor chamado Ulisses.

Sugerir correcção
Comentar