À flor da pele

Um indie americano intenso e fluido que se esquiva aos lugares-comuns, com uma actriz que merece passar à “primeira divisão”

O conceito do “novo cinema independente americano” já teve tantas versões mais ou menos corporativas desde que Sexo, Mentiras e Vídeo de Steven Soderbergh lhe abriu as portas há quase 25 anos que, quando nos aparece um filme genuinamente feito “a desenrascar” que vai lentamente criando uma bola de neve à sua volta, ainda por cima paredes-meias com a boa intenção da problem picture sobre os problemas sociais, a desconfiança é quase de rigor. No caso de Temporário 12, contudo, pode-se perfeitamente ir à vontade; a segunda longa do americano Destin Daniel Cretton, expandido a sua aclamada curta de 2009, contorna inteligentemente todos os obstáculos e armadilhas que o seu assunto lhe atira para o caminho.

O filme acompanha alguns dias no quotidiano de um centro de acolhimento para adolescentes em dificuldades, através dos olhos de uma supervisora que parece estar tão à toa como os miúdos que acompanha. Com uma história destas, seria fácil cair no lugar-comum bem-intencionado do melodrama juvenil e inspirador da vitória sobre a tragédia ou sobre o destino, mas Cretton, que baseou o filme nas suas próprias experiências como monitor temporário num destes centros, e nas de colegas que disto fizeram profissão, recusa-se a ir por aí. Não só porque filma literalmente “à flor da pele”, com câmara à mão e perto das suas personagens (mas sem tombar no lugar-comum Dardenniano), mas porque se dá ao trabalho de lhes dar o espaço e o tempo para elas existirem enquanto gente e não enquanto símbolos ou arquétipos. É um filme intenso, em constante dispêndio de energia, como convém a uma história de gente nova mal na sua pele, e transportado por uma performance luminosa: Brie Larson no papel de Grace, a supervisora que percebe bem demais o que vai na cabeça destes miúdos. É um daqueles papéis que faz uma carreira; pela entrega total, lembrou-nos Half Nelson – Encurralados, de Ryan Fleck, que lançou Ryan Gosling para a “primeira divisão”, e não nos espantaríamos que Temporário 12 fizesse (merecidamente) o mesmo pela actriz.

Para lá disso, contudo, há que dizer que, fosse este um dos “falsos indies” em que o cinema americano se tornou pródigo, e não se sentiria a fragilidade e a solidão que vêm ao de cima, tudo seria bem mais certinho para agradar às massas. Temporário 12 não evita tropeções ou convencionalismos, a sua construção narrativa pode ficar arrumadinha, mas pelo meio disso tudo faz uma coisa que a maior parte destes “filmes sociais” não faz: respira. Parecendo que não, é imenso.

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