Às voltas com o rock

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LUÍS MARTINS

A nova vida dos Loosers, banda fulcral da exploração rock nacional, já tem um álbum, Hot Jesus. Apresentam-no quinta-feira, dia 19, na ZDB.

Vimo-los, em 2008, numa das festas Avenida, num prédio da Avenida da Liberdade, em Lisboa, a rever a história do rock’n’roll com a fúria de quem faz as coisas por intuição quase divina. Vimo-los, em 2005, no Passos Manuel, no Porto, com Tiago Miranda transformado em xamã, de barba gigante, num festim de percussão e desvario electrónico. Vimo-los um ano antes, no Maus Hábitos, também no Porto, a reverem as lições do pós-punk, dos Suicide aos Gang of Four, com um sentido de urgência que os tornava indispensáveis.

Nestes anos, havia quem visse nos lisboetas Loosers a melhor banda rock portuguesa, líderes de uma pequena cena de rock fora das margens (ao lado de gente como Caveira, Frango, Fish & Sheep e os então recém-nascidos Gala Drop). A cada concerto, a cada novo disco, o trio de Tiago Miranda, José Miguel Rodrigues e Rui Dâmaso transfigurava-se: ora eram ritualísticos como os Sunburned Hand of the Man, ora mostravam-se exploradores do riff enquanto entidade maior – como no tão maravilhoso quanto difícil de obter Love Has Come Around, rock aos círculos, felicidade por todo o lado.

Mas, há coisa de cinco anos, Miranda saiu do grupo (concentra-se hoje na sua actividade enquanto DJ e produtor de música de dança) e os Loosers calaram-se. O fluxo de discos, que saíam em catadupa em editoras de todo o mundo, parou.

“Na verdade”, esclarece José Miguel, “a banda não esteve parada”. “Saiu o Tiago Miranda, mas eu e o Rui continuámos a tocar juntos. Começámos a tocar com pessoas diferentes porque, essencialmente, gostamos de tocar juntos. Foi por isso que os Loosers resistiram. Não dependemos de nada, nem de ninguém.”

Lentamente retomaram os concertos. Agora, há um documento para esta nova vida dos Loosers: Hot Jesus, que será apresentado quinta-feira na Galeria Zé dos Bois, em Lisboa, com a dupla de hip-hop A.M.O.R. na primeira parte.

Raízes negras

José e Rui chegaram a dar concertos em duo, mas acabaram por alargar o grupo. Não sentiam a banda “incompleta”, mas o formato duo obrigava-os a ocuparem-se de múltiplos instrumentos ao mesmo tempo. “Tínhamos muito trabalho”, brinca José, que ainda tem muito que fazer: ocupa-se da bateria, do sintetizador, dos loops e das batidas electrónicas, que ganharam mais espaço na nova encarnação da banda.

Há dois anos, recrutaram Jerry The Cat (voz e percussão), isto é Jerrald James, cidadão de Detroit fixado em Lisboa, que tem no currículo participações em Parliament, Funkadelic, John Lee Hooker, Carl Craig, Theo Parrish, entre outros. Antes de entrar para os Loosers, integrou a formação dos Gala Drop, aos quais também se juntou… Rui Dâmaso, dos Loosers.

José Miguel conheceu Jerrald “há uns anos”. “Conheci-o antes de estar nos Gala Drop, na festa de anos de uma amiga em comum. Até toquei com ele, na brincadeira. Pus um disco nos Funkadelic e ele veio dizer-me que tocou na tour daquele disco”, conta. “Estávamos a fazer músicas que, sem dúvida, precisavam de voz”, acrescenta. Nos Loosers, Jerrald canta como um pastor gospel convertido ao rock. “Escreve muito e rasga e volta a escrever”.

A adição de João Maio Pinto (até aqui mais conhecido como ilustrador e fazedor de flyers de concertos), no baixo, antes do Verão, permitiu “libertar” Rui Dâmaso, que, então, tocava guitarra e baixo e agora pode ficar-se pela primeira.

Hot Jesus (título dedicado a Diogo Morgado, que assim foi apelidado depois de interpretar o papel de Cristo na mini-série A Bíblia? “É melhor não falarmos sobre isso”) tem “algumas ideias” vindas dos tempos em que os Loosers eram um duo, mas é um disco de quarteto, que só podia surgir agora, com estes protagonistas.

O álbum foi gravado na sala de ensaios e em dois estúdios, um em Lisboa, outro em Lagos (numa antiga prisão, agora convertido em Laboratório de Actividades Criativas), “ao longo de um ano e meio”.

Na capa do disco não está Diogo Morgado, mas sim Ventura, personagem do filme Juventude em Marcha (2006), de Pedro Costa. É a mesma imagem da capa da edição do filme em DVD no Reino Unido – a confusão faz parte do jogo dos Loosers. José Miguel trabalha na produção dos filmes do cineasta: “Trabalho com o Pedro Costa diariamente. Falámos sobre isso e eu cravei-lhe: ‘Não me arranjas uma grande frame para a capa?’”.

Hot Jesus anda entre o apelo da jam e momentos mais estruturados e pensados. É o caso de Bomb the Bass, gravada “à moda antiga”, camada sobre camada: ritmo esquelético quase electro e uma vocalista, a norte-americana Diamond Dancer, com currículo na música house, a homenagear mil nomes da história da música, de Gil Scott-Heron a Kurt Cobain, de Derrick May a Bob Marley. A música negra predomina na lista. “Costuma-se dizer que a música tem raízes negras e frutos brancos”, justifica José. “Já que levamos isto emprestado, estamos a retribuir.”

Bomb the Bass é, pois, a maior excepção ao gosto pela jam. “Gostamos de tocar o rock com esse espírito. Chegas mais depressa ao clímax com uma estrutura tribal”, explica. “Continuamos a preferir o todo ao detalhe. O detalhe está sobrevalorizado na música – o som da tarola, não sei quê... Nós funcionamos com a massa. Dá menos trabalho e divertimo-nos mais.”

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