Porto, a Rotunda da Boavista

Do Palácio de Cristal de Rosa Mota sobe-se a rua do escritor e poeta portuense Júlio Dinis até ao cimo. Desemboca-se numa larga praça circular: a Rotunda da Boavista. O poder, que aprecia contrariar o povo, chama-lhe Praça de Mouzinho de Albuquerque. O povo não tem nada contra Mouzinho, mas desrespeita o poder que o desrespeita. Rotunda da Boavista.

Rotunda ou Praça tem ao centro um belo e amplo jardim romântico. Com inúmeras árvores centenárias, carvalhos, tílias, tulipeiros, palmeiras. Bancos de madeira por ali dispersos onde se lê o Jornal de Notícias, distrai a austeridade, discute as glórias do FC Porto, olha o trânsito sempre intenso. Medita, pensa a vida.

O jardim é habitado de História. Solidez dos nossos passado, presente e futuro. E de liberdade. Ao centro, uma coluna de 45 metros, obra do arquitecto Marques da Silva. É o monumento mais importante da cidade do Porto. Revive as Guerras Peninsulares, as Invasões Francesas. Ao cimo, um leão vence e massacra uma águia, ambos enormes. Esta é o símbolo do imperador Napoleão Bonaparte. Sonhou conquistar a Europa. A França e a Europa bem lhe pagaram. Morreu doente ou envenenado. Exilado numa ilha do Atlântico Sul povoada de ratos, na mais profunda solidão. Onde, diz a lenda, ficcionava em delírio um império circunscrito a uma ilha inóspita. Santa Helena. O leão é a marca real de Inglaterra. Na coluna, simboliza a aliança luso-britânica que combateu o invasor, pela liberdade e solo pátrio. Transmite a vitória da coragem e liberdade ante a opressão.

Napoleão tramara com Carlos IV de Espanha a invasão de Portugal. Sedento e insaciável de poder e território, mandou Junot invadir Lisboa em 1807. Cá chegou à frente de um exército de maltrapilhos e esfomeados. Tomou a capital. A estratégia era deter D. João VI, deixando vago o poder político. Legitimar o assalto ao poder. O rei rumara ao Brasil horas antes, levou consigo a corte em centenas de embarcações.

Junot encapotou-se com o manto de libertador. Violações, massacres, roubos, pilhagens. Nem igrejas e santos escaparam. Suscitou a revolta nacional. Foi expulso.

Napoleão tinha fome de poder, sempre mais poder, de território, sempre mais território. Voltou em Março de 1809. Enviou o general Soult à conquista do Porto e Norte de Portugal. Desceu da Gália, entrou pela Galiza. Encontrou um exército desorganizado que fugiu. Exército e Povo.

Sem líder, milhares de pessoas tentaram a fuga atabalhoada para a margem esquerda do Douro, atravessando a Ponte das Barcas. A travessia do rio foi trágica. A ponte não suportou tamanho peso. Ruiu. Perto de 5000 pessoas perderam a vida afogadas nas águas do seu rio. A História conta cenas dramáticas. Mães que se afogaram com os filhos nos braços. E menos dramáticas. A cantora lírica Luísa Todi chegou à outra margem. Perdeu a colecção de jóias no Douro.

Soult desceu a Sul, perseguiu os fugitivos. Foi vencido pela aliança luso-britânica dirigida pelo inglês William Beresford de triste memória.

A base da coluna de Marques da Silva retrata, traz à memória essa guerra, enfatiza o papel das mulheres nessa luta. Mães desesperadas, mulheres que se afogam, empunham a bandeira, lutam, empurram o canhão. A beleza e coragem femininas na luta pela liberdade!

A coluna de Marques da Silva na Rotunda da Boavista acabou por ser finalizada pela filha, também arquitecta. E inaugurada em Maio de 1952.

Os heróis do Povo esperam sempre!
 
Procurador-Geral Adjunto

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