Ciência, nutrição e sociedade – mundos de mudança

Desde os tempos mais remotos até aos dias de hoje, ocorreu um crescimento sem precedentes do sistema agroalimentar em Portugal e no mundo. Transitou-se de um modelo centrado na produção familiar e conservação caseira de alimentos para um sistema global de grande dimensão e complexidade, todo ele projetado para assegurar melhor segurança e qualidade alimentar.

A alimentação é uma necessidade básica dos seres vivos e um marco de civilização. Preconiza-se que esta deve ser saudável e suficiente para assegurar o pleno desenvolvimento, em particular daqueles que se encontram em processo de crescimento. Nesta matéria, é importante termos presente que uma alimentação desequilibrada, seja por défice ou por excesso, ocasionará o aparecimento de doença. A Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta a má alimentação e o baixo nível de atividade física como responsáveis por seis dos sete principais fatores de risco de doença na Europa. Estima-se que poderiam ser evitados 80% das doenças cardíacas, acidentes vasculares cerebrais e diabetes tipo 2 se se eliminassem os fatores de risco comuns decorrentes dos estilos de vida.

Para enfrentar este desafio, é necessário olhar para os alimentos não só como vetores proporcionadores de uma função nutricional e organolética, mas também como capazes de prevenir doenças relacionadas com a nutrição, não descorando o seu contributo para a sustentabilidade ambiental. Consciente da importância que a sua investigação, desenvolvimento tecnológico e inovação têm para a resolução destes problemas e para o crescimento e competitividade do sector, cabe à ciência assumir um papel de liderança para responder ao desafio – produzir mais e melhores alimentos.

Neste âmbito, a ciência e a tecnologia alimentar estão na vanguarda do crescimento sustentável do sector agroalimentar contribuindo pela integração da biologia, química, física, microbiologia, nutrição, toxicologia, biotecnologia, genómica, bioinformática, engenharia e tantas outras disciplinas, na resolução de problemas que vão desde os défices nutricionais até à segurança alimentar. São muitos os exemplos que refletem o papel crucial e estratégico da ciência: identificar estratégias para aumentar a produção alimentar sem prejuízo para o ambiente, promover a melhoria da qualidade e da segurança alimentar, assegurar a conservação de nutrientes sensíveis ao processamento, otimizar a fortificação com micronutrientes para uma nutrição adequada, remover toxinas e anti-nutrientes, aprimorar a qualidade nutricional dos alimentos pela redução de sal, de açúcares adicionados ou de gorduras saturadas e trans, ou formular novos alimentos funcionais com um enfoque na promoção da saúde e redução do risco de doença pela via da adição de ingredientes benéficos (probióticos, prebióticos, esteróis vegetais).

Acresce a capacidade da ciência de aprofundar soluções para a redução do desperdício alimentar seja ao nível da respetiva produção seja na valorização dos sub-produtos da indústria alimentar (por exemplo, valorização do soro proveniente da indústria de lacticínios na produção de requeijão). Não menos importante, é o papel que as ciências da alimentação e da nutrição têm em melhorar a qualidade de vida dos cidadãos com necessidades alimentares específicas, permitindo o desenvolvimento de alimentos modificados dirigidos (por exemplo alimentos para celíacos).

Por fim, importa mencionar que é fundamental para o futuro da alimentação, que a sociedade em geral compreenda a profunda relevância que a ciência, nas suas múltiplas funções, representa para o bem-estar e saúde das populações.

Docente da Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica Portuguesa, no Porto. A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico.


 


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