Pelos velhinhos deste país

Muitos pensarão nas estatísticas e questionar-se-ão sobre o que estamos a fazer pelos velhinhos deste país — este que é já o sexto mais envelhecido do mundo. Outros tantos ficarão a pensar que envelhecer aqui é doloroso a duplicar

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Michaela Rehle/Reuters

No meio das revoltas da adolescência alguns de nós gritámos aos nossos pais — ou a quem estivesse a ouvir — que não pedíramos para nascer. Pois bem, acredito que estes não tenham pedido para morrer — pelo menos não antes de perceberem que iriam viver assim.
Há muitas histórias para contar sobre eles.


Há os que nunca descontaram e que vão recebendo um subsidiozeco — aquele com que devem pagar a renda, as contas da casa, a alimentação e, chegando, também a farmácia.


Há os outros, que o fizeram, mas aos quais o que o Estado por eles guardou não chega para pagar as contas certas — quanto mais as outras, incertas, que insistem em surgir. Talvez antes, antes dos cortes, lhes fosse possível cobrir as despesas. Talvez antes, quando os filhos ainda não tinham voltado para casa, quando os netos não comiam sempre à sua mesa, quando os transportes, a comida e a farmácia eram mais baratos, talvez nessa altura a reforma lhes chegasse. Talvez antes de a renda lhes ser aumentada. Talvez agora se remedeiem, comendo um pouco menos, aproveitando mais a luz natural, acumulando facturas na mesinha do telefone. Talvez assim vão vivendo — ainda que eu não saiba se a isto se pode bem chamar viver. Talvez estes sejam os que têm tanta vergonha que não deixam que a sua miséria seja vista por olhos alheios.


Há os que pagam as contas, uma após a outra, mas aos quais o corpo vai faltando já. São os vizinhos que vamos vendo envelhecer — primeiro devagar, depois depressa — que vamos conhecendo mais debilitados, menos cuidados, menos alimentados; de cujas casas vai saindo já um cheiro a sujidade. São os vizinhos, ainda casais, que não conseguem já viver sozinhos. Não conseguem mas fazem-no, que o que recebem não chega para pagar um lar — e a Segurança Social pouco lhes consegue assegurar.


E depois há os outros. Cruzamo-nos com eles no metro, quando de olhos poisados no chão e mão estendida, passam por nós. Pode também ser num semáforo, quando devagarinho se aproximam do vidro — ainda que chova — ou em ruas da zona nobre da cidade. Alguns de nós sentirão como que um murro no estômago e ficarão imóveis, como que em choque, com os olhos a adquirirem um brilho quase molhado. Outros olhá-los-ão com pena — e com uma revolta maior do que a pena. Muitos pensarão nas estatísticas e questionar-se-ão sobre o que estamos a fazer pelos velhinhos deste país — este que é já o sexto mais envelhecido do mundo. Outros tantos ficarão a pensar que envelhecer aqui é doloroso a duplicar. Ou a triplicar. Ou por aí fora.

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