Aventuras no campo e na cidade

Quatro óptimos pequenos filmes da família O Som e a Fúria.

Quatro curtas-metragens oriundas da produtora O Som e a Fúria, que no entanto têm mais em comum do que apenas isso. Todas se centram no universo infantil ou juvenil, e todas têm crianças ou adolescentes entre os principais intérpretes. Os mais velhinhos são mesmo os de Rei Inútil, o filme com que Telmo Churro, até agora mais conhecido como membro da troupe de Miguel Gomes (de quem foi argumentista e montador), se estreia como realizador. O seu protagonista é um liceal relapso e apático, siderado com os exames e com uma Lisboa um tanto desértica. O momento alto do filme, expressão de uma fantasia irónica a cortar o quotidiano monocórdico, é um encontro nocturno no Jardim da Estrela com o rex inutilis, D. Sancho II, guest star das angústias escolares da personagem principal. Rei Inútil, que venceu a competição nacional do último Curtas de Vila do Conde, não renega a sua “família Som e a Fúria” e tem muitíssimos pontos de contacto com os filmes de Gomes e Nicolau, de que se distingue principalmente por uma melancolia menos sonhadora e um pouco mais céptica. É uma boa estreia.


Da zona da Estrela passa-se a Entrecampos, num filme, o de João Rosas, que não leva esse título em vão. Uma linha ficcional simples, a história de uma miudita e do pai, que de resto tem o seu momento mais aventuroso quando abandona a zona de Entrecampos e a rapariga se perde, momentaneamente, noutras paragens da cidade. Mas a moldura para a ficção é decididamente um olhar, “traficado”, de tipo documental: em planos gerais (grandes vistas sobre as ruas, grandes vistas através das janelas) e em planos de pormenor (fachadas, lojas, apontamentos do bulício quotidiano), é a geografia, de Entrecampos propriamente dito à Avenida de Roma, que toma conta do filme, com graça, desenvoltura, e sentido de propósito.

Os Gambozinos de João Nicolau representam um regresso do realizador à curta-metragem, depois da estreia no formato longo com A Espada e a Rosa. O filme tem um tom de despedida, como se Nicolau viesse visitar a curta-metragem pela última vez, e o fizesse filmando uma espécie de despedida da infância. Como habitualmente em Nicolau, a imaginação é exuberante, o humor altamente idiossincrático, e o cinema está sempre à procura da música. É o seu filme mais parecido com algo que saísse das mãos de Wes Anderson, temperado pelo sentimento agridoce do coming of age num mundo que tem perigos (os outros miúdos que maltratam o miúdo protagonista) e salvadores, género super-herói, que saltam das sombras para o socorrer. É delicado e, sempre com ar de quem não quer a coisa, comovente.

Finalmente, Na Escola, de Jorge Cramez, o filme mais antigo deste programa, com data de 2010. Também é um regresso à curta de um realizador que já se aventurou na longa, com o óptimo Capacete Dourado. E Na Escola é a simplicidade ela própria. Miúdos que deixam de estar “na escola” para passearem por campos e bosques, à descoberta da natureza. Animais e vegetais, caracóis e cogumelos, tornam-se os protagonistas do filme, perante o olhar maravilhado dos miúdos. Ou de como a verdadeira “escola” está do lado da “vida”, e a vida verdadeira, como diz o provérbio, está ailleurs. É muito bonito, e o final perfeito para este conjunto de quatro óptimos filmes.

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