O último fado em Paris

Camané, um fadista da geração do meio, entre Amália e Mariza. Pré-nomeado para um Óscar de Hollywood. Um cantor de alma, sem efeitos especiais

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Tiago Machado

A ideia era simples: entrevistar a voz de Portugal, assumindo não ser jornalista. Tinha claro outros trunfos: o gosto e o entendimento do fado. E a reacção foi a melhor possível. Em poucas horas caía no meu e-mail a resposta do agente a confirmar interesse e disponibilidade de Camané para conversar comigo no final do concerto em Paris, no Festival d’Île de France. Aconteceu no último fim de semana de setembro.

Convém explicar primeiro o porquê de Camané, quando temos tantos fadistas em Portugal aplaudidos de pé pelo mundo inteiro. Não poderia ser outro. Ele é a “voz de Portugal”, como tão bem definiu o "El País" num artigo recente. Um fadista da geração do meio, entre Amália e Mariza. Pré-nomeado para um Óscar de Hollywood. Um cantor de alma, sem efeitos especiais.

E foi assim que no final do espetáculo – que juntou no palco do Cirque D’Hiver nomes como Maria da Fé, João Braga, Katia Guerreiro, Cristina Branco ou António Zambujo, e que terminou com a actuação de Camané – lá estava eu, qual repórter acidental a entrar nos bastidores para ouvir “Portugal” falar de fado, em tom grave, concentrado, tão amavelmente concentrado.

“O fado é uma emoção contida, não é nenhuma exibição. Nós estamos aqui para servir os fados e não para nos servirmos dos fados”. Entendido. Era precisamente por este tom que queria pautar a conversa. E que mais? “Ninguém pode servir-se das músicas, mas sim servir as músicas, servir as canções, servir os poetas, e isso parte de uma capacidade de ser humilde e de nos conseguirmos pôr noutro lugar, sairmos de nós próprios e não ceder às facilidades do exibicionismo”.

O ruído era grande. Outros fadistas circulavam pelo espaço. Amigos e agentes conversavam à nossa volta. Um café de máquina era tirado. Depois outro. Mais outro. Mas naquele instante vivia-se fado. E Camané mostrava, com a simplicidade que leva a palco, porque é diferente. Conversava com a jornalista de improviso como se falasse em horário nobre para uma qualquer televisão. E punha o melhor de si em cada resposta, em cada silêncio.

Nesse momento impôs-se a questão: canta para os discos ou para as palmas? “Ir para o palco e ter pessoas para me ouvir. Esse é que é o prazer da minha vida”. E sobre os três “efes” tão nacionais? Eliminamos já algum? “Sou católico, mas às vezes não sou tão assíduo nessas coisas. Mas Futebol, fado…” Benfica? “Benfica!” Não se pode ser perfeito... O que lhe falta fazer com o fado e pelo fado? “Falta fazer tudo. Falta aprender e fazer tudo. É... é mesmo isso… (risos)” Terminou a música. Deixamos nesse instante de ouvir o fado em Paris. Esperemos que regresse. E que a Voz nunca se cale.

Esta crónica foi escrita ao abrigo do novo acordo ortográfico

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