Morreu Ilídio Matos, o primeiro agente literário português a tempo inteiro

Ilídio Matos (1926-2013) morreu quinta-feira em Lisboa, aos 87 anos, depois de uma vida dedicada aos livros e aos autores

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Ilídio Matos dr

Ilídio Matos, que foi durante largos anos o único agente literário português a exercer a profissão a tempo inteiro, morreu no dia 12, aos 87 anos. Fazia questão de continuar a trabalhar e deslocava-se diariamente ao seu escritório, em Lisboa. “Incluindo sábados, domingos e feriados”, garante o seu filho Jaime. “Dizia que ainda não tinha idade para ser arquivado”.

A Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL), que lhe atribuiu em 2011 o Prémio Carreira, pelo seu longo e exemplar percurso como agente literário, lamentou já a morte de Ilídio Matos, afirmando que este deixa “uma marca inegável no universo literário português, resultante do seu inquestionável profissionalismo e dedicação à causa do livro”. A associação lembra ainda que o agente trabalhou com algumas das mais importantes editoras internacionais, como a Penguin americana, a Doubleday, a Diogenes, sediada na Suíça, ou a alemã Rowohlt.

Nas feiras internacionais de direitos, como as de Frankfurt ou Londres, “ele foi, durante anos, o agente português – um George Smiley da nossa pequena edição: discreto (sabia guardar segredos), divertido, cauteloso, prudente, generoso e possuído pela loucura dos livros”, escreve, na sua coluna do Correio da Manhã, o escritor e editor Francisco José Viegas. Ilídio Matos teria provavelmente apreciado que o comparassem à personagem de John Le Carré, já que apreciava a ficção policial e entre os primeiros autores que representou em Portugal contaram-se Agatha Christie, Rex Stout ou Ellery Queen.

De acordo com a nota da APEL, a sua carreira de agente literário teria tido início no final dos anos 1960, e o próprio Ilídio Matos, numa entrevista dada ao Diário de Notícias em 2006, lembra que o primeiro livro que agenciou foi uma obra de Rex Stout para as edições Surpresa, situando o episódio em 1968 ou 1969. No entanto, deve ser equívoco. O seu filho Jaime está convencido de que o pai começou a conciliar o trabalho que tinha no Banco de Portugal com o agenciamento literário, enquanto representante em Portugal da Curtis Brown, ainda nos anos 1950. O que parece condizer com a informação relativa às edições Surpresa, uma chancela de Vila do Conde que lançou a colecção policial de bolso Corvo, uma vez que o único livro de Rex Stout que publicaram, Os Fortes Também Morrem (Might as Well Be Dead), saiu em 1957.

Jaime Matos lembra-se que o pai colaborava com o jornal inglês Daily Mirror, fazendo equipa com o fotógrafo João Ribeiro, do Diário Popular, e que fez a cobertura da visita a Portugal da rainha Isabel II, em 1957. E que foi através dos contactos que estabelecera no Daily Mirror que veio a ser convidado para ocupar o lugar do representante em Portugal da Curtis Brown, que acabara de deixar o cargo.

Ilídio Matos entrava assim numa das mais prestigiadas agências literárias internacionais, que ajudara a promover autores como William Faulkner, John Steinbeck, Norman Mailer ou Lawrence Durrell, escritor por quem o agente português tinha particular admiração. Na entrevista que deu ao DN, diz que se “rendeu” ao Quarteto de Alexandria, lido por indicação do fundador da Ulisseia, Joaquim Figueiredo Magalhães.

Apesar do fascínio que sempre sentira pelo mundo dos livros, manteve-se todavia no Banco de Portugal até perfazer os anos de trabalho necessários para se aposentar. “Quis sempre garantir a sua independência financeira com a reforma do banco”, explica o filho, mas “reformou-se logo que pôde e, a partir daí, dedicou-se em exclusivo” ao seu escritório de agenciamento literário.

Entre os muitos autores que representou, contaram-se, por exemplo, os prémios Nobel da Literatura Elfriede Jelinek e Imre Kertez. E alguns dos livros que lhe passaram pelas mãos vieram a ter grande sucesso em Portugal, como O Perfume, de Patrick Süskind, que propôs à Presença e que, 20 anos depois, continuava a render-lhe direitos.

Conhecido no meio editorial pela sua escrupulosa seriedade – “quando digo ‘closed’ a um editor ou agente internacional, isso equivale a uma escritura notarial”, diz na conversa com o DN –, Ilídio Matos recebia, em norma, 1% do preço de capa de um livro que agenciasse (10% sobre os 10%que cabiam ao autor), e quando tinha títulos mais apetecíveis recusava-se a leiloar direitos entre várias editoras.

Com a crise do sector, o negócio decaíra bastante e, nos últimos anos, diz Jaime Matos, sem a reforma do banco, já não poderia manter o escritório aberto.

O funeral de Ilídio de Matos está marcado para esta terça-feira, pelas 15h15, no Cemitério do Alto de S. João. “A edição portuguesa”, diz Francisco José Viegas a encerrar a sua crónica, “deve-lhe muitas homenagens”.

Notícia corrigida às 08h38 de 17 de Setembro: alterada data do óbito
 

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