Pelo teu voto corto as duas pernas!

Se a política é também o espelho do que somos e de como estamos, estas autárquicas mostram-nos um país sem gás, sem ideias, sem talento e sem dinheiro

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SPeND/Flickr

É como a energia nuclear ou a engenharia genética. Quando cai nas mãos erradas cria quase sempre muito perigo. Responde pelo nome de Photoshop e em política é um inimigo à solta. É nada mais do que um software de edição de imagem que faz mais milagres que Cristo (pelo menos dos que foram registados). Põe idosas com 20 anos, manetas com três mãos, adolescentes borbulhosos com rostos cintilantes, brancos com carapinha e carecas cabeludos. Consegue mexer na realidade como só o FMI parecia ser capaz e facilita muito a vida de fotógrafos e designers. O problema são as contra-indicações.


Um pouco por todo o mundo, são conhecidas as gafes de revistas de moda que, recorrendo ao Photoshop, eliminam pernas a modelos, aumentam gravidezes, trocam de local os sinais de rosto ou criam autênticas malformações congénitas que não escapam nem ao mais desatento dos olhares masculinos. Mas quando se trata de campanhas autárquicas as gafes ganham outra dimensão. Outro élan. É hora de fugir.


Uma viagem pelo país em véspera de autárquicas é muitas vezes uma visita à casa dos horrores. “Crianças fechem os olhos que vamos passar mais um outdoor”, dirão os pais mais atentos. É que há de tudo. Candidatos suspensos, alguns sem pernas, alguns sem braços. Candidatos cabeçudos, com equipas de cabeças pequenas. Há fotos de conjunto em que o sol vem dos dois lados. Há cabeças cortadas, orelhas cortadas, equipas cortadas. “Cabem todos”, explicam os “dizaineres”.


Basta imaginar as ordens do director de campanha, qual ditador norte-coreano a olhar para o botão vermelho que diz “BOMB”. “É alterar”. “Ninguém nota”. “Está perfeito”. “Falta mais um”. “Tem de entrar”. “Lindo”. “Põe mais outro”. “Não dá para pôr o primeiro-ministro ao meu lado?”. “E o professor Cavaco?” “Olhe que eu conheço-o, nunca vos contei?” Felizmente (ainda) não chegamos aí. Ainda...


E esta “doença” tem tanto mais impacto quanto mais recessiva for a economia e menor o orçamento disponível. Vivemos, portanto, a tempestade perfeita. Repetir fotos? Ter de juntar todos no mesmo dia? Pagar deslocações? Nada disso. Não se morre da doença, morre-se da cura. E anima-se por todo o lado uma campanha tão pobre quanto o país. O problema é que o flagelo não escolhe autarquias, candidatos nem partidos.


São dois ou três passos atrás (sem qualquer conotação política) e passamos da comunicação sofisticada da era José Sócrates aos novos anos 80 em que só falta espetar o cartaz na árvore e deixá-lo apodrecer até à primavera seguinte. E se a política é também o espelho do que somos e de como estamos, estas autárquicas mostram-nos um país sem gás, sem ideias, sem talento e sem dinheiro. Ou então é o vale tudo: “Pelo teu voto corto as duas pernas!”

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