Estágios não-remunerados: prancha para o sucesso ou escravatura moderna?

Muitos jovens vêem-se obrigados a optar por períodos à experiência sem qualquer vencimento no final do mês.

Foto
Em 2012 o desemprego disparou para 15,7%, afectando 860 mil pessoas. Pedro Maia

Moriz Erhard era um jovem alemão de 21 anos que morreu depois de trabalhar 72 horas consecutivas na sucursal do Bank of America em Londres. A morte do estagiário de Economia veio relançar a polémica relativamente às condições de trabalho que os jovens enfrentam quando terminam a formação superior.

Bernardo Almeida, emigrante português na Noruega, contou ao PÚBLICO que "nos bancos de investimento o estagiário faz trabalho chato e repetitivo, mas acaba por aprender imenso". Bernardo adianta ainda que caso a instituição goste do trabalho do estagiário, o mais provável é este ser convidado para integrar a empresa enquanto analista, cargo que possui uma remuneração significativa.

Frederico Aragão, assessor de imprensa, revelou ao PÚBLICO que passou por diversos estágios não remunerados até obter um contrato de trabalho: “É fundamental saber distinguir as verdadeiras intenções das empresas para assim não criarmos ilusões. Experiência é sempre algo positivo… mas isso não quer dizer que um estagiário possa ficar para sempre como apenas isso, um mero estagiário. Ninguém vive apenas do ar que respira.”

Numa altura em que a taxa de desemprego continua elevada (16,5%) e a taxa de desemprego jovem em Portugal está acima dos 40%, são inúmeros os relatos de recém-licenciados (e até mesmo de pessoas com o mestrado concluído) que não têm outra alternativa se não submeter-se a estágios não remunerados para ganharem experiência no mercado de trabalho e mais tarde tentarem integrar os quadros das empresas. Porém, o que pode ser visto como uma possível prancha para a construção de uma carreira, é muitas vezes aproveitado pelas entidades empregadoras como um modo de obterem mão-de-obra gratuita, ainda que durante um período temporário.

Em Portugal, mais de 100 mil pessoas fizeram estágios em 2012, ao abrigo dos programas de Emprego, co-financiados pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP). Mas a realidade será muito mais vasta, porque é possível as empresas recorrerem a estagiários, sem comunicarem a nenhuma entidade pública. Segundo a lei, os estágios extracurriculares e profissionais com duração até três meses podem ser não remunerados. Um estágio (cujo período máximo é de um ano) só tem de ser pago se tiver uma duração acima de três meses. O valor de referência é o Indexante dos Apoios Sociais (IAS), actualmente de 419,22 euros, acrescido de um subsídio de refeição/dia.

“Em áreas com grandes massas de qualificados, como é o caso do jornalismo, o número de candidatos é de tal modo elevado que é impossível aos organismos absorver toda a mão-de-obra. Essa excedência de candidatos acaba por permitir e justificar, que, de facto, muitos empregadores usem os estágios não remunerados para completar as suas necessidades reais, que muitas vezes não estão satisfeitas devido à crise económica que o país atravessa”, afirma Aurora Nunes, ex-jornalista.

De acordo com os dados fornecidos ao PÚBLICO pela Autoridade para as Condições do Trabalho, os inspectores fizeram 64 advertências e levantaram 219 procedimentos coercivos (multas e participações ao Ministério Público) em 2012 pelos chamados casos de “dissimulação de contrato de trabalho”, seja através de figuras como a falsa prestação de serviços, os falsos estágios remunerados ou outros tipos contratuais.

Também há experiências positivas
Mas nem todas as experiências são negativas. Vítor Monteiro, finalista do Mestrado Integrado em Engenharia Civil na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), estagiou na IncubIT, empresa especializada na formação de empreendedores, e afirmou ao PÚBLICO o quão gratificante foi a experiência: “Fiz um grande esforço em termos de gestão de tempo, mas acredito que ganhei muito mais do que o que tive de investir.”

Francisco Telo Rasquilha, aluno de mestrado na Católica Lisbon School of Business & Economics, iniciou recentemente um estágio não remunerado numa instituição financeira, e é da mesma opinião: “Oferecem-me condições flexíveis, com um horário agradável e um bom ambiente de trabalho.”

David Passão, recém-licenciado em Cardiopneumologia pelo Instituto Politécnico de Lisboa, passou por uma experiência positiva no período de estágio e afirma que foi explorado: “Os meus orientadores tiveram que dispensar algum do seu tempo para me acompanhar e nesse sentido os estágios que frequentei foram extremamente frutíferos. “ Também Diogo Galvão, que chegou a realizar um estágio não remunerado na Portugal Telecom, defende que "não há salário/bolsa de estágio que pague as amizades e projectos" que desenvolveu durante esse período.

Com a falta de emprego em Portugal, muitos jovens partem para o estrangeiro à procura de oportunidades. Mas muitos dos que ficam acabam por fazer estágios não remunerados para não ficarem parados, ainda que não tenham quaisquer promessas de integração.

“Depois de passarmos anos a estudar e a sermos sustentados pelos nossos pais, o que queremos acima de tudo é a nossa independência”, destaca Benedita Telles, uma jovem enfermeira que está a tentar conseguir um lugar na sua área. “Nós, enquanto estagiários, fazemos muito mais para além das nossas competências, e acabamos, na maior parte dos casos, por ser escravos dos profissionais”.

Sugerir correcção
Comentar