A crise da inteligência

Escrevo esta crónica sob o signo do sociólogo francês Michel Crozier e retomo a tese central de um dos seus livros que tem justamente este título: a crise que vivemos é sobretudo uma crise de inteligência pois não temos sabido despertar as inteligências adormecidas dos portugueses. Não temos sabido acender as vontades individuais e coletivas para o esforço de transformação e criação. Não temos sabido gerar a confiança nos nossos talentos. Não temos sabido mobilizar a sociedade para um projeto com futuro.

Esta ausência de política imaterial de incentivos é, provavelmente, a nossa maior tragédia. Cegos, continuamos a persistir nas falsas virtudes do centralismo iluminado, que tudo prevê, tudo sabe, tudo controla, tudo prescreve. Insensatos, persistimos na política do comando e do controlo, ignorando que os atores têm sempre margem de manobra para recriar e/ou
alterar as normas. Teimosos, não vemos a impossibilidade manifesta de governar contra a classe média, esteio essencial de uma ordem democrática. A política de uma terra queimada de esperança está a conduzir o país para um suicídio.

Precisamos de inverter esta política e estas práticas. Precisamos de fazer crer às pessoas que outro futuro é possível e de que elas podem ser os principais artífices dessa construção. Precisamos de uma progressiva e radical descentralização de poderes e de recursos. Precisamos de uma sociedade mais policêntrica que possa escapar à asfixia do terreiro do paço. Precisamos de mais confiança nas capacidades das pessoas e das instituições. Precisamos de um Estado mais modesto e mais determinado em servir as pessoas.

E servir as pessoas não é praticar a tirania do auxílio que as menoriza e destrói. É capacitá-las, é fazê-las acreditar, é ser confiável nas palavras ditas e nas ações empreendidas.

Vivemos como quem desistiu de futuro. Vivemos desapropriados do bem vital que é a nossa capacidade de transformação. É tempo inverter este ciclo. É tempo de nos resgatarmos a nós próprios e afirmarmos sem temor as nossas possibilidades de existir de outro modo.

José Matias Alves, docente da Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica Portuguesa, no Porto

O autor escreve segundo as regras do novo acordo ortográfico

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