A Godzilla lisérgica contra o Transformer

O realizador de "O Labirinto do Fauno" assina uma homenagem sincera aos filmes de monstros clássicos sob os traços de um blockbuster desmesuradamente esgrouviado.

Ponto 1: Guillermo del Toro - o realizador de O Labirinto do Fauno e Hellboy - abdicou de filmar O Hobbit para se dedicar de corpo e alma a este híbrido esgrouviado de Godzilla e Transformers polvilhado de ácido lisérgico de elevada concentração alucinogénica.


Ponto 2: Del Toro dedica Batalha do Pacífico a Ray Harryhausen - o recém-falecido pioneiro da animação de efeitos visuais - e Ishiro Honda - o criador de Godzilla.

Ponto 3: Só Del Toro conseguiria fazer com que Batalha do Pacífico emerja a espaços das exigências chapa-quatro do moderno blockbuster de linha de montagem hollywoodiano invocando a fusão mental vulcana de Star Trek com um monstro clone-bebé moribundo de outra dimensão.

Os três pontos acima indicados explicam porque é que Batalha do Pacífico fará as delícias dos apreciadores e iniciados do cinema de género nas vertentes xunga-trash-bairro, monstro-de-borracha-assustador e ficção-científica-farsola, e praticamente de mais ninguém. É verdade que o orçamento monumental lhe retira alguma da piada, que a banda-sonora de Ramin Djawadi (escola Hans Zimmer) é das coisas mais desajustadas jamais ouvidas numa super-produção, que o 3D e o Imax o devem tornar doloroso de ver - sem o 3D e o Imax a coisa é suficientemente ruidosa e frenética para deixar o espectador cansado. Mas esta história de monstros alienígenas transdimensionais gigantes que só robôs gigantes futuristas comandados por pilotos humanos podem derrotar é um filme ciente, talvez até demais, da sua herança cinéfila. Del Toro e o argumentista Travis Beacham amalgamam as missões suicidas e rivalidades entre oficiais dos velhos filmes de guerra com os delírios nipónicos das Godzillas originais, num filme que assume abertamente a sua condição de trash de fim-de-semana à tarde e não quer ser mais do que isso: uma versão moderna dos velhos filmes de monstros fatelas.

O problema não é que Del Toro tenha feito uma homenagem de erudito do cinema de género aos seus antepassados, pontuada por momentos de extraordinário surrealismo neon-fluorescente que só poderiam ter saído da sua cabeça. O problema é a sensação de que o cineasta mexicano se deixou intoxicar com a caixinha dos brinquedos que o orçamento monumental lhe permitiu, como uma criança deixada à solta na loja que não percebe que está na altura de ir para casa. O fascinante universo retro-futurista metodicamente desenhado pelo realizador ganharia com 30 minutos a menos e uma abordagem menos “esmagadora” aos impressionantes combates Godzilla vs Transformers de encher o olho. Mas não é de deitar fora que esteja aqui um dos poucos blockbusters genuinamente “de autor” que Hollywood nos vai dar em 2013, conseguindo manter uma identidade reconhecível de cineasta pelo meio dos efeitos visuais de luxo. Banzai!

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