Um dia vou trabalhar num café giro

Se conseguir um emprego na minha área é difícil, consegui-lo num “sitio giro” é tão difícil vezes a quantidade de gente que vive em Londres e está à procura de trabalho

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Luke MacGregor/Reuters

Quem nunca pensou nisto? Um dia vou trabalhar num café giro, com bebidas e comida óptimas e conhecer o mundo através das estórias e hábitos dos meus clientes. Nos tempos livres, leio o jornal, escrevo umas crónicas e vejo o e-mail. Ok, se calhar não é bem esta a frase base mas dá para perceber a ideia.

Há quatro meses deixei para trás tudo o que tinha construído nos últimos três anos. Um trabalho respeitado, um carro de bonecas que me levava a todo o lado, uma família de amigos, uma casa maior que o agregado, pastas e pastas de fotos de praias desertas e animais selvagens, uma bagagem extra de respeito pelos outros e suas diferenças, chinelo no pé dois terços do ano. Esta foi a minha aventura em África que se fechou num episódio feliz e bem resolvido.

Pois que agora a selva é outra. Cheguei a Londres há três meses, de braços abertos e sonhos concretos, pronta para escrever um novo capítulo. Na mala trouxe a roupa mais quente que tinha, as tecnologias do costume e uma dúzia de contactos conseguidos através de redes sociais e afins. Escrever CV, editar CV, criar portefólio, editar portefólio, enviar CV, enviar mais CVs e ainda mais uns quantos e lá começaram as entrevistas. Para a minha área e para outras que nunca pensei sequer candidatar-me, como vender calças de ganga mais caras que o salário. Nos entretantos, sobrava tempo para andar pelas ruas e olhar para os anúncios de trabalho impressos em folhas brancas A4 e colados nas janelas dos tais cafés e lojas giras.

Ora, se conseguir um emprego na minha área é difícil, consegui-lo num “sitio giro” é tão difícil vezes a quantidade de gente que vive em Londres e está à procura de trabalho. Se o sucesso na primeira abordagem não foi muito, na entrega de CVs em mão foi ainda menor. Porque o meu inglês não tinha o sotaque certo, porque o meu baton não tinha a cor do Verão, porque sim e porque não. Não foi fácil mas passados dois meses lá arranjei trabalho num café do grupo dos giros e que aparentemente aposta nas pessoas e na formação.

E eis que todo um mundo novo se abriu. Tudo começou numa entrevista de grupo na Culturgest cá do sitio, onde nos tínhamos que apresentar, representar e até inventar novas bebidas. Seguiu-se a fase seguinte, com um “Coffee Boot Camp” de uma semana, excesso de cafeína no sangue e muitos tutoriais sobre "latte art" vistos no YouTube. No final, um teste – ah pois é, parece que aqui levam mesmo a sério isto do café. Resultado, excelentes desbloqueadores de conversa como quantas gramas têm um espresso antes de depois da extração, qual a temperatura a que se deve aquecer o leite sem queimar a língua ou a diferenças de espumas entre um "latte", um "flat white" e um cappuccino.

Do dia para a noite – em três semanas, vá - passei de fã de Nescafé para barista, o "sommelier" do café, o "chef" da bica. E não, não trabalho num bar mas no tal café giro. Para a semana conto mais.

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