À espera da guerra

Um típico filme do pós-guerra hollywoodiano e de um novo tipo de sensibilidade, mais complexo, menos maniqueísta, que o final dos anos 40 introduziu.

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Grande sucesso no tempo da sua estreia em 1953, êxito na bilheteira e nos Óscares (levou oito, a melhor contabilidade desde E Tudo o Vento Levou, 14 anos antes), a fama de Até à Eternidade nunca empalideceu o suficiente para deixar de ser, ainda hoje, um dos mais célebres títulos dos anos 50 americanos.

Algumas das suas imagens aparecem regularmente em antologias da iconografia hollywoodiana, sobretudo as das cenas com Burt Lancaster e Deborah Kerr abraçados na praia, a água do mar a abençoar-lhes a infidelidade, num erotismo mais sugestivo e mais franco do que aquilo a que o cinema americano estava então habituado.

Sem dúvida que essa franqueza foi uma das razões para o sucesso do filme, mas o mais interessante é o que ela indicia. Melodrama de “pré-guerra”, que trata o countdown para o ataque a Pearl Harbor tal como vivido numa base militar no Havai (em história adaptada de um best-seller de James Jones, o mesmo de The Thin Red Line), Até à Eternidade é um típico filme do “pós-guerra” hollywoodiano e de um novo tipo de sensibilidade, mais complexo, menos maniqueísta, que o final dos anos 40 introduziu. O retrato da relação Lancaster/Kerr não seria possível, da mesma maneira, dez anos antes, como provavelmente não seria possível o recorte psicológico atormentado (e vagamente “homoerótico”, parece que muito menos do que no livro de Jones) das personagens de Montgomery Clift e Frank Sinatra. Fred Zinnemann, judeu vienense que, como tantos outros (Billy Wilder et al), a dada altura dos anos 30 achou melhor ir para longe dali, nunca gozou de grande estima entre os cinéfilos, pela sua tendência para um academismo pastelão (de que abundam exemplos na sua filmografia) a servir de sensaborona moldura a “filmes de tema”. Mas alguns desses “filmes de tema”, ainda que entusiasmem pouca gente, foram de facto significativos no pós-guerra hollywoodiano e no seu tratamento de assuntos sociais contemporâneos - Anjos Marcados (que revelou Monty Clift), filmado nas ruínas alemãs da II Guerra, ou O Desesperado (que revelou Marlon Brando”), sobre a reabilitação dos soldados americanos mutilados na guerra. Pode-se dizer muito mal de Zinnemann mas não se lhe pode chamar um tarefeiro: com “tema” menos imediatamente identificável do que noutras ocasiões, Até à Eternidade reflecte algumas das suas preocupações e é coerente com elas. Nem queremos, de resto, parecer demasiado severos com Até à Eternidade, seguramente um dos filmes mais conseguidos de Zinnemann. A sua observação do ambiente militar é suficientemente ambígua para ser intrigante, ainda que ela se resolva numa espécie de “purificação”. As personagens são, por norma, fortes e credíveis, e o filme trabalha um registo verista que, é certo, não é muito imaginativo, mas está a milhas - em termos de “convicção” - de qualquer coisa equivalente que Hollywood fizesse hoje. Há pelo menos uma cena em que Zinnemann acerta na “mouche”: o “toque a finados” de Monty Clift no cornetim, depois da morte do seu amigo Maggio (Sinatra). O tipo de academismo sólido, adulto, ancorado na realidade, “no nonsense”, que hoje é preciso uma lupa para encontrar na grande produção hollywoodiana.

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