Gilda Mattoso voltou a seu a viúva de Vinícius

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Gilda Mattoso recorda as figuras e episódios das suas relações de trabalho e de amizade com nomes da música brasileira

“Neste ano, por causa do centenário, eu voltei a ser a viúva do Vinícius [de Moraes, 1913-1980]”. Gilda Mattoso começa assim a comentar, para o Ípsilon, o lançamento em Portugal do seu livro de memórias, Assessora de Encrenca (Ediouro, Rio de Janeiro). E fá-lo “com muito orgulho”, mesmo se salienta que a sua carreira de assessora de comunicação (e empresária) lhe granjeou estatuto suficiente para ser conhecida pelo seu nome próprio.

Gilda Mattoso passou na semana passada por Portugal – no regresso de uma digressão com Gilberto Gil por vários países árabes – para acompanhar a apresentação, em Lisboa e no Porto, de um livro que já saiu no Brasil em 2006, mas cujo conteúdo não perde actualidade: nele recorda as figuras, e episódios das suas relações de trabalho (e de amizade) com os principais nomes da música brasileira.

Vinícius, primeiro que todos: “Tenho muito orgulho em ter sido mulher dele”, diz da relação que manteve com este fundador da Bossa Nova. Começou a trabalhar com Vinícius como assessora, tornou-se depois sua companheira nos dois últimos anos da vida do poeta e compositor. “Foi a pessoa mais generosa que conheci, em primeiro lugar nos afectos, sempre com uma grande disponibilidade para o outro”, diz Gilda. Como criador, e principalmente no início da sua carreira, “contava-me ele, era muito angustiado com as questões metafísicas do mundo”. “E manteve sempre o pavor da morte”, acrescenta a viúva do compositor de Canção de nós dois, recitando mesmo uma frase dele sobre o tema: “A morte, quando ela virá me buscar, como uma velha amante, sem saber que é a minha mais nova namorada...”

Além de Vinícius, Tom Jobim e Cateno Veloso são as duas figuras mais citadas neste livro de memórias e histórias, onde, no entanto, Gilda faz questão de nunca ultrapassar a fronteira da intimidade e da privacidade a que os seus amigos têm direito. “Eu não sou o mordomo da Lady Di”, respondeu a autora a um jornalista brasileiro. Repetiu-o agora ao Ípsilon, dizendo saber “perfeitamente o que pode ou não pode ser contado” – por causa disso, nota, “muitos jornalistas brasileiros ficaram frustrados com Assessora de Encrenca”.

O que podemos, então, saber de Jobim e Caetano? “Tom Jobim é, talvez, a pessoa mais inteligente que conheci na vida. Uma inteligência muito subtil e delicada. Mas era um homem a quem o sucesso incomodava”, responde Gilda, lembrando que o autor de Garota de Ipanema tinha medo de andar de avião, e que era sempre muito difícil conseguir que ele se dispusesse a viajar para fazer concertos. “Até para vir a Portugal foi uma luta”, diz a então sua empresária, a recordar o (único) concerto que Tom Jobim veio fazer a Lisboa, em Setembro de 1992, dois anos antes de morrer.

“Caetano é muito mimado. Foi criado com muitas mulheres: mãe, irmãs, primas, tias – ele era o quindin das tias... Mas sempre chamou a atenção pela inteligência, e gostava de cantar desde pequeno. Ainda hoje em dia é muito distraído, e mal sabe amarrar um sapato...”

Sobre o título Assessora de Encrenca, a autora explica que ele regista um comentário da sua filha quando era ainda criança e lhe confidenciou que, quando crescesse, quereria ser “igual a você, mamãe, assessora de ‘encrenca’ (tentando dizer imprensa)”. “Então eu pensei: ‘A minha filha é uma génia’; é que ‘encrenca’ é a minha verdadeira profissão”, diz Gilda, entre risos.

No Porto, o livro foi apresentado na sede do Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto pelo seu presidente, Manuel de Novaes Cabral. Foi um momento de relançamento de Assessora de Encrenca, que – admite a autora – poderá vir a ter uma edição expressamente em português, e entretanto está a ser traduzido em italiano, para uma edição neste país, que cada vez mais se vem rendendo à música brasileira.

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