Megan Ellison, a "salvadora" dos cineastas americanos

Annapurna é o nome de uma produtora de Hollywood descrita como a salvadora dos projectos “demasiado arriscados”. A sua fundadora, Megan Ellison, 26 anos, pegou na fortuna do pai e alimenta agora os seus cineastas preferidos

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O filme 00

Quando as nomeações para os Óscares foram reveladas no dia 10 de Janeiro, um comentário destacou-se entre os vários difundidos nas redes sociais. Lia-se no Twitter: “Kathryn Bigelow was robbed. So fucked up.”

Essa frontalidade não teria muito significado se viesse apenas de mais um fã da realizadora norte-americana ou de alguém que se insurgisse contra as injustiças que a Academia costuma fazer, todos os anos, por esta altura. Mas esse comentário vinha assinado pela produtora do filme de Bigelow, uma jovem mulher de 26 anos que se ofereceu, há pouco mais de um ano, para financiar totalmente "00:30 A Hora Negra": Megan Ellison. Um pouco mais abaixo na sua conta no Twitter, a jovem produtora escreve: “The question is not who’s going to let me. It’s who’s going to stop me.” Who’s that girl?

Megan surgiu no “domínio público” (a Internet e as redes sociais) quando, para delícia dos tablóides, colocou uma fotografia sua online a divertir-se com amigos, de madrugada, a ligar ao pai (Larry Ellison, fundador da empresa de hardware e software informático Oracle Corporation, e o terceiro homem mais rico dos EUA para a revista "Forbes"), depois de beberem três garrafas de Dom Pérignon. Foi aluna da escola de cinema da University of Southern California, até desistir do curso, em 2005, e decidir viajar pelo mundo, chegando até ao Nepal e à montanha Annapurna nos Himalaias. A história poderia ser a de um filme de Sofia Coppola: uma menina rica deslocada do universo, sem grande coisa para fazer com a sua fortuna e juventude. Mas nesse momento, Megan Ellison decidiu que ia voltar a casa para fazer algo de muito preciso: criar cinema. E de regresso a Los Angeles, fundou a Annapurna Pictures.

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Página de Megan Ellison no site IMDB

Uma produtora cinéfila

No seu site oficial, é apresentada como querendo “criar filmes sofisticados de elevada qualidade que poderão ser considerados arriscados para os estúdios tradicionais de Hollywood”. Os seus inícios foram feitos de forma solitária dentro da indústria: contactava autores cujos filmes apreciava mas que tinham percursos ainda obscuros. O seu primeiro trabalho foi com Katherine Brooks em Waking Madison, filme esquecível que entrou directamente para o circuito de vídeo. Brooks contou ao "New York Times" o seu primeiro encontro com a jovem produtora, alguém que viu chegar “numa Harley-Davidson, com as unhas pintadas de preto, uma t-shirt de Pink Floyd e calças de ganga”, uma imagem que corresponde a outros relatos de uma jovem, descrita noutros artigos de imprensa, como alguém que prefere chegar a reuniões com t-shirts dos Led Zeppelin. Nenhum desses artigos conta com declarações de Ellison, que recusa todas as entrevistas.

Mas o seu papel na indústria mudou quando deixou de se colocar do lado de fora e decidiu tentar mudá-la a partir de dentro. Assim, depois de receber uma ainda maior parte da fortuna do pai, Megan comprou uma casa luxuosa em Sunset Plaza, Hollywood, onde construiu a base da Annapurna, assim como salas de montagem e de produção exclusivas para os seus cineastas. Depois, aliando-se à Creative Artists Agency (uma das maiores agências de talento dos EUA), passou a financiar maioritariamente os clientes desta. Por outras palavras, realizadores reconhecidos em Hollywood, mas que se deparavam com dificuldades em realizar alguns dos seus projectos mais arriscados devido a reticências de uma indústria já muito pouco dada a riscos criativos.

Um dos seus primeiros investimentos terá sido num projecto seguro: "Indomável" (2010), dos irmãos Coen, ainda com um apoio financeiro mais discreto. Mas as suas tomadas de posição seguintes seriam para salvar projectos que estavam condenados ao esquecimento. John Hillcoat ("A Estrada", 2009) previa filmar "Dos Homens Sem Lei" (2012, estreado recentemente) no início de 2010 até os seus financiadores desistirem à última hora. Ellison viria a garantir o financiamento necessário para as filmagens se iniciarem um ano depois. O mesmo para "Mata-os Suavemente" (2012) de Andrew Dominik (realizador de "O Assassinato de Jesse James pelo Cobarde Robert Ford", 2007). E quando Paul Thomas Anderson apresentou um orçamento de 35 milhões de dólares à Universal Pictures para realizar "O Mentor" (em Fevereiro em Portugal), o estúdio desistiu e deixou Anderson sem filme. Até que Megan Ellison reactivou o projecto, com o seu orçamento original, tal como o projecto seguinte do realizador americano ("Inherent Vice", uma adaptação de um livro de Thomas Pynchon). E dizendo a Anderson que esperava que a Annapurna viesse a ser a casa de todo o seu futuro cinema.

Apanhem-na se puderem

A posição de Megan Ellison surge em contraponto à estratégia mais previsível da indústria americana, baseada na produção de objectos repetidos que garantem um lucro fácil. Essa posição, premiada com regularidade pela Academia, tem sido responsável pelo declínio do “cinema do meio” (ou adulto) norte-americano: filmes de médio orçamento, para um público alargado, que pouco rasgam com normas estéticas ou com os hábitos instalados do espectador.

"00:30 A Hora Negra", por sua vez, constituía também um risco financeiro (e não apenas pelo seu tema de produção difícil): Bigelow procurava 40 milhões de dólares para fazer o seu filme, enquanto que a sua obra precedente (Estado de Guerra, uma obra que a Academia premiou em 2011, de forma rara, pelos seus méritos artísticos) tinha sido feita por apenas 15 milhões de dólares, bastante abaixo de produções anteriores que lhe trouxeram prejuízo. Quando Megan Ellison se inteirou do projecto, não hesitou em cobrir todos os seus custos de produção para preservar os objectivos artísticos de Bigelow, comprando também, pelo caminho, os direitos de uma história sobre Julian Assange a ser adaptada num guião de Mark Boal, argumentista de "00:30 A Hora Negra".

Mas apesar de ser descrita como uma “salvadora” pela comunidade de cineastas americanos, surgem críticas de parte de produtores sobre as suas estratégias: de inflacionar de orçamentos com poucas possibilidades de retorno; de esgotar a possibilidade de uma maior produção de filmes; e de acabar com futuras hipóteses de investimento nos seus cineastas (por criarem filmes que dão pouco lucro). Sharon Waxman, fundadora do blogue "The Wrap" (site dedicado à actividade de Hollywood), escreve que a atitude de Ellison irá “dar cabo daquilo que resta da indústria de cinema independente”. Mas Ellison ignora os anti-corpos e concentra-se em expandir a sua actividade: para já, investiu 20 milhões de dólares nos direitos da saga "O Exterminador" para dois futuros filmes. O filme-sensação Spring Breakers (realizado por Harmony Korine) e "The Grandmaster", de Wong Kar-wai, serão distribuídos pela Annapurna. E esperam-se ainda novos filmes de Spike Jonze e David O. Russell. E talvez rivalizar com outro antigo outsider que determina hoje o standard da produção hollywoodiana: Harvey Weinstein. Aos seus críticos, Ellison responde com a crença no trabalho dos seus realizadores, mais do que os números. E pelo meio, no Twitter, cita "Risky Business" (1983): “There’s one thing I learned in all my years. Sometimes you just gotta say, what the fuck, make your move.”

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