Resolver o "precipício orçamental" nem foi o mais difícil

Barack, se me estás a ler (e é muito provável que sim), eu sei o que estás a sentir. Se precisares de desabafar, dá-me um toque

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Tiago Leal

“Querida, vou ter que voltar uns dias ao trabalho… Desculpa…”

“Voltar ao trabalho? Deves estar a gozar! Quer dizer, eu deixo-te escolher o sítio onde queres passar as férias, faço as malas porque o menino trabalha sempre até tarde, trato das miúdas e agora, a meio das férias, estás-me a dizer que tens que voltar para lá? Não há telefones, não há mails, não há Skype?”

“Eu sei, mas o que é que queres… Se eu não estiver lá ninguém resolve nada…”

“Oh, são assim porque tu os habituaste assim. Eu logo te disse: não faças a mais que a tua função obriga. Mas tu, claro, és um totó e foste fazendo mais do que devias. Deves estar convencido que assim ficas a ser o menino bonito… Quando tiverem que te mandar embora mandam, não fiques a contar ser poupado.”

“Oh, o que é que tu sabes do meu emprego? Nunca trabalhaste na minha área…”

“Claro, eu nunca fiz nada da vida! Só o menino é que é trabalhador! A sério, diz lá. Tens lá uma coleguinha jeitosa no trabalho, não é? Uma administrativa a mandar-te mails, que depois dizes que são confidenciais e não podes mostrar. Estou mesmo a ver. Ficas a saber, se fores escusas de voltar. Fica por lá com as tuas amigas. Se não é importante estar com a tua família, não vale a pena dares-te ao trabalho de voltar…”

“A sério, nem imaginas o que me está a custar ter que lá ir. E pára com essa conversa das amiguinhas. Não tenho lá nenhuma amiguinha. Aquilo mais parece a festa da mangueira. Eu volto logo que possa. Há pessoas que dependem de mim. Explicas às miúdas?”

“Há pessoas que dependem de mim… És um heroizinho. Vá, vai com cuidado e manda um toque quando chegares lá. A menos que estejas ocupado com as tuas colegas do trabalho. E vou tentar explicar às miúdas mas não prometo nada. Infelizmente, já começamos a estar habituadas…”

“Desculpa, quando voltar compenso-vos.”

“Ah sim, não fiques a contar que a relva apareça cortada quando voltares. E tens dois candeeiros para montar à tua espera. Ah, e o carro precisa de ir à inspecção. E não há mais desculpas.”

Não, felizmente, desta vez, esta conversa não se passou comigo, nestas férias. Pode-se ter passado uma parecida com muitas pessoas, quer homens quer mulheres, que tiveram que interromper ou adiar as suas férias de Natal com a família em prol do trabalho e a essas pessoas deixo a minha humilde homenagem. Mas este diálogo passou-se, ipsis verbis, (excepção feita, talvez, à parte da inspecção do carro…) com um homem a quem quero deixar aqui um abraço de solidariedade sentido, porque sei que o quão difícil é passar por uma situação destas.

Barack, se me estás a ler (e é muito provável que sim), eu sei o que estás a sentir. Se precisares de desabafar, dá-me um toque. A menos que estejas com as tuas amiguinhas… Desculpa, tava a gozar. Agora a sério, estás à vontade. Se quiseres, até podes passar por cá. E de caminho, aproveitavas a viagem e davas umas palestras à malta de cá para lhes explicares que é possível evitar “precipícios orçamentais” criando entendimentos entre esquerdas e direitas, desculpa, democratas e republicanos (grosso modo, vá), e taxando só os mais ricos, poupando os que menos têm, mesmo que isso signifique aumentar a dívida externa e a família ficar chateada nas férias de Natal no Hawai. Se preferires levar os nossos políticos para aí para lhes explicares com mais calma como governar um país, também não há problema. Só te peço é que não tenhas muita pressa nas explicações e que fiques aí com eles todo o tempo do mundo. Em troca, ensino-te a montar candeeiros. E interruptores, vá.

Em relação à Michelle, não te preocupes. No fundo, ela sabe que o que estás a fazer é importante para o vosso país e que, inclusivamente, pode ser um bom exemplo para outros países em crise, como Portugal. Não lhe digas é que vais passar a pagar mais impostos, senão ainda estragas tudo. Ah, mas oferece-lhe umas flores que isso cai sempre bem. Roupa é que não. Está cientificamente provado que um homem nunca consegue acertar na roupa que elas gostam.

Obama, vai por mim que eu sei do que falo.

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