Todos têm um segredo por revelar

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Johnny Jewel, mentor dos Chromatics e da editora Italians Do It Better, foi durante anos um dos segredos mais bem guardados da pop. A banda-sonora de "Drive" e o álbum "Kill For Love" mudaram tudo

Aclamado no seio da comunidade melómana das franjas durante a última meia dúzia de anos, o norte-americano Johnny Jewel ocupou um lugar de destaque em 2012 com a edição do álbum Kill For Love, do projecto Chromatics. Disco lançado em Março, mas só agora com distribuição oficial em Portugal, constituiu um refinamento da linguagem desenvolvida por Jewel nos últimos anos, assente em canções pop electrónicas de climas erotizantes.

Há uns anos, quando surgiu a editora Italians Do It Better e toda a sucessão de projectos que Jewel mantém (Chromatics, Desire, Farah, Glass Candy), parecia que o imaginário e a música que tinham para propor estavam desenquadrados, mas eis que subitamente se tornaram no modelo que todos querem seguir. Originalmente aclamado pela ressurreição dos sintetizadores analógicos, pela aposta na recuperação da música disco menos óbvia e na escolha de cantoras sedutoras para serem o rosto dos seus projectos, Johnny Jewel subiu de escalão.

Em grande parte, a transformação começou no ano passado quando foi o autor da música para Drive, o tal filme que afirmou definitivamente o actor Ryan Gosling como o tipo com pinta que vive melancolicamente nas margens, mas com o qual é difícil não criar empatia. Em poucos filmes recentes a música desempenhava um papel tão fundamental na definição de ambientes, tornando as situações sombrias ou transparentes, de acordo com a acção. Já este ano, e além do álbum dos Chromatics, editou o projecto Symmetry (Themes For An Imaginary Film) e foi responsável por uma série de mixtapes disponibilizadas gratuitamente na Internet. Acabou por ser uma figura omnipresente em 2012, partindo sempre de um imaginário cinematográfico. Aliás, Kill For Love poderia constituir na perfeição, também ele, a banda-sonora para um filme imaginário. A sequência dos temas é trabalhada de forma meticulosa, dando ao álbum uma fluidez que acaba por fazer sentido na totalidade, com início e fim claros, altos e baixos, romance e tragédia, sombras nocturnas e momentos de nitidez diurna.

Uma obra total

Os Chromatics são uma ideia desenvolvida desde a primeira metade dos anos 2000 por Jewel, mas ele não está só. Ao seu lado tem a vocalista Ruth Dadelet e os músicos Adam Miller e Nat Walker. No entanto, é Jewel o verdadeiro designer sonoro do grupo. E já agora, também o designer gráfico, tendo sido ele que concebeu a maior parte das capas dos discos e todo o imaginário visual à volta da editora Italians Do It Better. "Comecei por experimentar com alguns cartazes para concertos, até porque, antes de me envolver com a música, era pintor. Era isso que queria ser na minha adolescência", confessava numa entrevista recente. "A maior parte das capas de discos é horrível, por isso pensei: bem, pior do que maioria não vou fazer de certeza."

Como a música dos Chromatics, o imaginário visual de Jewel é suficientemente amplo para que todos possam projectar-se nele - um misto de arte pop e hiper-realidade, néons, lábios pintados de escarlate, figuras excessivas melancolicamente retratadas. "A ideia de produto é importante para nós", reconhece. "Acho que, de alguma forma, todos nós fomos influenciados por Andy Warhol, pela forma como ele olhava para uma obra como sendo uma obra de arte total. Isto é, quando componho uma canção, o processo não fica por ali. Quero aperfeiçoar aquele momento e comunicá-lo da melhor forma possível. É por isso que me vejo mais como designer sonoro do que como compositor clássico."

Tende a dizer-se que o imaginário visual da Italians Do It Better está em correlação com a música, mas curiosamente a ideia de Jewel é precisamente fazer o contrário. "Gosto que as capas dos discos, os vídeos e as fotos nada tenham a ver com o som", afirma.

Neste momento, Jewel vive em Montréal, no Canadá, depois de ter morado em Nova Iorque e Portland, onde estão os restantes membros do grupo, mas esse facto não alterou a rotina da editora e dos seus múltiplos projectos. Quando lhe perguntam se gosta mais de estar em estúdio ou em digressão pelo mundo, responde de imediato: "Gosto mesmo é de estar sossegado em casa."

É bem capaz de ser verdade, mas, depois do impacto do álbum Kill For Love, é pouco crível que venha a ter muito tempo para estar no domicílio. Nos últimos meses sucederam-se os concertos e eles vão continuar. Em relação aos discos, as canções são mais rápidas e enérgicas em palco, mas a atmosfera acaba por ser semelhante: emocional, romântica, um pouco negra. "É muito poderoso esse sentimento de estares perante pessoas que querem ouvir-te. Tem qualquer coisa de assustador e de desafio. O meu segredo é que sou bastante tímido, o que é interessante, porque o palco acaba por funcionar como transcendência", diz ele.

"Everybody's got a secret to hide", canta Ruth Radelet no tema-título do álbum Kill For Love. Parece mesmo ser verdade.

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