Os novos problemas do novo Médio Oriente

Quando se desencadearam as hostilidades em Gaza, no mês passado, parecia que a mesma velha história se repetia. O mundo voltou a testemunhar uma onda de violência sangrenta e sem sentido entre Israel e o Hamas, que atingiu sobretudo civis inocentes de ambos os lados, originando mutilações e morte.

Desta vez, porém, as coisas não eram o que pareciam ser, porque o Médio Oriente sofreu uma mudança significativa nos últimos dois anos. O epicentro político desta região conturbada deslocou-se do conflito entre Israel e os palestinianos para o Golfo Pérsico e para a luta pelo domínio regional entre o Irão, por um lado e, por outro, a Arábia Saudita, a Turquia e agora o Egipto. Na luta emergente entre as influências xiitas e sunitas da região, o velho conflito do Médio Oriente tornou-se um elemento secundário.

Actualmente, o principal confronto deste conflito de poderes é a guerra civil na Síria, onde os principais actores da região estão representados directa ou indirectamente, uma vez que será ali que a batalha pela hegemonia regional irá ser, em grande parte, decidida. Sobre uma coisa não restam dúvidas: o Presidente sírio, Bashar al-Assad, e a sua base de poder alauita/xiita não conseguirão manter o controlo face à maioria sunita no país e na região como um todo. A única questão reside em saber quando cairá o regime.

Quando isso acontecer, será uma grande derrota para o Irão, implicando não só a perda do seu principal aliado árabe, mas comprometendo também a posição do seu cliente, o Hezbollah, no Líbano. Ao mesmo tempo, uma variante da Irmandade Muçulmana chegará ao poder na Síria, tal como foi ou será o caso em quase todo o Médio Oriente, em resultado do "despertar árabe".

Do ponto de vista de Israel, a ascensão ao poder do Islão político sunita em toda a região, ao longo dos últimos dois anos, poderá culminar num resultado ambivalente. Apesar de o enfraquecimento e retrocesso do Irão servirem os interesses estratégicos de Israel, este terá que contar com o poder islâmico sunita em todas as suas imediações, conduzindo directamente a um fortalecimento do Hamas.

A ascensão da Irmandade Muçulmana e das suas ramificações foi conseguida à custa do nacionalismo árabe secular e das ditaduras militares que o apoiavam. Assim, a ascensão dos Irmãos Muçulmanos foi de facto igualmente decisiva para a luta interna pelo poder na Palestina. Com o recente conflito em Gaza, o movimento nacional palestiniano secundará, sob a liderança do Hamas, este desenvolvimento regional. O Presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas, e o seu partido Fatah não serão capazes de oferecer grande oposição - sobretudo tendo em conta a ruptura do Hamas com o Irão (apesar do fornecimento de armas actualmente em curso), ocorrida há um ano.

Este desenvolvimento significa provavelmente o fim da probabilidade de uma solução de dois Estados, dado que nem Israel nem o Hamas ou a Irmandade Muçulmana têm qualquer interesse nessa solução. O Hamas e a Irmandade rejeitam o compromisso territorial, porque consideram que um Estado palestiniano representa uma Palestina que integra a totalidade de Israel.

Não se trata, de modo algum, de uma posição táctica ou de uma expressão de ingenuidade política. Pelo contrário, a questão territorial transformou-se numa questão religiosa e, por consequência, redefiniu o conflito de forma substancial.

O Hamas tem objectivos a longo prazo. Enquanto não tiver a força suficiente para alcançar os seus objectivos mais ambiciosos, a sua intransigência em nada impedirá as negociações com Israel ou mesmo os tratados de paz, desde que tais acordos promovam os seus objectivos a longo prazo. Mas esses acordos apenas conseguirão períodos de tréguas de menor ou maior duração, não uma solução global que ponha fim ao conflito.

O recente êxito conseguido por Abbas na Assembleia Geral das Nações Unidas – garantir o estatuto de Estado observador para a Palestina – não irá alterar os aspectos básicos dessa tendência. A promoção da Palestina constitui uma derrota diplomática alarmante para Israel e uma demonstração do seu crescente isolamento internacional, mas não implica um retorno a uma solução de dois Estados.

Paradoxalmente, a posição do Hamas ajusta-se à direita política em Israel, dado que também não confia muito numa solução de dois Estados. E nem a esquerda israelita (da qual pouco resta), nem o Fatah são suficientemente fortes para manter a opção de dois Estados. Para Israel, um futuro como um Estado binacional implica um alto risco a longo prazo, a menos que a opção de uma confederação Cisjordânia-Jordânia, que se perdeu em 1980, volte a surgir. Trata-se, mais uma vez, de uma possibilidade.

Com efeito, após a queda do regime de Assad, a Jordânia poderia vir a ser a próxima zona mais conflituosa, o que poderia reavivar o debate sobre a questão da Jordânia como o "verdadeiro" Estado palestiniano. A política de colonatos de Israel na Cisjordânia teria então uma base diferente e assumiria um novo significado político. Apesar de não acreditar que uma confederação Cisjordânia-Jordânia seria uma opção viável, poderá ser o último prego no caixão de uma solução de dois Estados.

Em conjunto com a Síria, duas questões irão determinar este novo futuro do Médio Oriente: o percurso do Egipto sob o domínio da Irmandade Muçulmana e o resultado do confronto com o Irão relativamente ao seu programa nuclear e ao seu papel a nível regional.

A questão egípcia já tem elevada prioridade na agenda, na verdade, chegou às ruas na sequência da tentativa não violenta de golpe de Estado do Presidente Mohamed Morsi. O momento escolhido por Morsi foi notável: um dia depois de obter reconhecimento internacional pelos seus esforços bem-sucedidos na mediação de uma trégua em Gaza, levou a cabo um ataque frontal à democracia nascente do Egipto.

Resta agora saber se a Irmandade prevalecerá, tanto nas ruas como por meio da nova Constituição do Egipto (cuja redacção é em grande parte da sua responsabilidade). Caso assim aconteça, irá o Ocidente retirar o seu apoio à democracia egípcia em nome da "estabilidade"? Seria um grande erro.

A questão sobre o que fazer a respeito do programa nuclear do Irão regressará igualmente em grande força, em Janeiro, após a tomada de posse do segundo mandato do Presidente dos EUA, Barack Obama, e das eleições gerais israelitas e obrigará a uma resposta no prazo de alguns meses.

O novo Médio Oriente é pouco promissor para o próximo ano. Mas uma coisa não mudou: ainda é o Médio Oriente, onde é quase impossível saber o que nos espera ao virar da esquina.

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