Um campeão inédito e furiosamente goleador
No remoto campeonato das ilhas Comores, foi coroado campeão um clube com uma incrível (e suspeita) relação com os golos.
Avançados em crise? Falta de pontaria? Seca de golos? O tema pode fazer sentido em muitas equipas de muitos campeonatos. Mas não na Liga das ilhas Comores. O Djabal venceu ontem o Steal Nouvel por 2-1, e conquistou um inédito título de campeão. Um feito histórico para o clube, mas que não livra os bleus d’Ikoni das suspeitas.
As dúvidas em relação à prestação desportiva do Djabal remontam ao início de Novembro, quando se cumpriu a última jornada das ligas regionais. As Comores são um arquipélago, independente desde 1975, formado por três ilhas (Ngazidja ou Grande Comore, Mwali e Ndzuwani). A estas junta-se uma outra, Mayotte, que recusou a independência e tem estatuto de departamento ultramarino de França.
O vencedor de cada ilha apura-se para a fase nacional, que atribui o título de campeão comoriano. A Liga da Grande Comore chegou à última ronda com duas equipas empatadas no primeiro lugar da tabela. Coin Nord (sete vezes campeão das Comores, a última delas em 2011) e Djabal somavam 42 pontos, mas os primeiros levavam vantagem por terem uma melhor diferença de golos (25 contra 11).
E aqui entramos no domínio do sobrenatural. O líder foi ao terreno do Etoile des Comores, que lutava para fugir à despromoção, e ganhou por 2-1 - passou a somar 45 pontos e ampliou a diferença de golos para 26. Nessa altura, o Djabal vencia a já despromovida ASIM por 4-1. Até aqui tudo bem, não fosse o facto de, com pouco menos de sete minutos para o apito final, se ter soltado a fúria goleadora da equipa da casa. Que só parou com o resultado em 23-1. “[O Djabal] conseguiu marcar mais 19 golos. Os bleus subiram ao topo da classificação com 45 pontos e uma diferença de golos de 33! Incrível, mas verdade... A equipa de Hamada Jambay marcou, em média, um golo a cada 18 segundos. Um recorde para o futebol nacional mas que roça o ridículo”, conta o jornal Al-Watwan, que questionava: “Terá a ASIM oferecido o título ao Djabal?”
Moral da história: com a goleada obtida, o Djabal terminava em primeiro lugar, sagrando-se campeão da Grande Comore e garantindo uma vaga na decisão do título nacional. Mas a polémica não se fez esperar. “Esse resultado deu que falar em todo o país”, explicou o blogger Farouk Abdou, numa troca de e-mails com o PÚBLICO. “Falei com um elemento da ASIM, que me disse que sempre houve rivalidade com o Coin Nord, [a equipa que lutava pelo título com o Djabal]. Também me disse que os jogadores não estavam motivados, alguns nem sequer foram ao estádio. Sabiam que, fizessem o que fizessem, iam para a II Divisão”, acrescentou.
O resultado foi exagerado, embora aquém do mais volumoso reconhecido pelo livro dos recordes do Guinness (149-0 no Adema-L’Emyrne, em Madagáscar). A Federação comoriana homologou a vitória do Djabal, mesmo que Fardou Himidi, o árbitro do encontro, admitisse que “houve muitos golos”. “Nem tive tempo de anotar os minutos [dos golos]. Só escrevi o número da camisola de quem marcou. Neste monte de golos, a ASIM marcou um na própria baliza”, confessou, citado pelo portal Comores-infos.
O resto é história. Na fase de apuramento do campeão, o Djabal manteve-se imbatível, com duas vitórias e dois empates nas confrontos com Steal Nouvel e Fomboni, campeões das outras ilhas. Os bleus d’Ikoni conquistaram o primeiro título nacional e têm lugar reservado na próxima edição da Liga dos Campeões africanos. Mas não se livram das suspeitas. Nem da fama de goleadores.
* Planisférico é uma rubrica semanal sobre histórias e campeonatos de futebol periféricos