Que música é esta vinda dos Ermo?

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Sintetizadores, minimalismo e vozes atiradas ao ar como ameaça gregoriana: assim soam as primeiras amostras da dupla bracarense

De onde veio isto? Uma canção às voltas com sintetizador para preencher ambiente sacro de catedral (ou profano de filme de terror filmado numa catedral), ritmo minimal, tonitruante, e vozes atiradas ao ar como ameaça gregoriana. Isto é uma reza gótica, é o reverso negro de luminosidade folk. Augusta, de Bracara Augusta, foi a primeira canção que ouvimos dos bracarenses Ermo: "Embalas o mal que em ti nasceu / És parto demo e finito em Deus / És mal, mas mãe, meu berço em pedra / Lembra a alma que te deserda".

Os Ermo são duo nascido em Braga em 2011, formado por António Costa e Bernardo Barbosa. Música de cadência lenta e minimal, no limite do tétrico, perturbadora. Depois de Augusta, canção incluída em À Sombra de Deus IV, a colectânea de música bracarense que teve primeira edição em 1987, idealizada por Adolfo Luxúria Canibal e Berto Borges, chegou EP homónimo em Outubro (disponível para audição integral e download da canção Montalegre em ermo.bandcamp.com). Dedicado ao Quinto Império, tal como idealizado por Pessoa. Nada de literal. Nunca devemos ler de forma literal a música do duo. "No EP abordamos o Quinto Império de Pessoa, não por vermos alguma veracidade no mesmo, mas pela beleza e pelo interesse do conceito."

Aos Ermo interessa não "uma procura de raízes tradicionais", mas "levá-las a cheirar à experimentação": "A [música] sacra e o gregoriano", dizem, "são conceitos com os quais jogamos à nossa maneira, quer seja para os traçar com algum antagonismo quer para a sátira ser ainda maior." E, portanto, entre as canções do EP agora editado, de um peso solene na instrumentação usada, na lírica de ressonância antiga e nos ambientes criados, ainda que matizada pelo desembaraço da voz, pode surgir uma conversa de café sobre a "panhonhice" portuguesa, retrato de um mal dizer incapaz de levantar a voz para além do perímetro da mesa conspirativa. Portugal, pois claro. O "povo" discutido como "entidade da qual nos exceptuamos".

Os Ermo nasceram quando António Costa e Bernardo Barbosa, "muito egoístas no que toca a fazer música", descobriram partilhar "algumas características em comum, entre elas esse egoísmo". Definiram uma linha condutora: "música com alguma portugalidade inerente, tanto na estruturação dos temas como nas letras". Braga, naturalmente, teve a sua influência. Gostam muito da cidade em que nasceram, mas "a capital do Minho parou nos anos 80, e quem cá mora encontra-a estagnada no rock e nos blues, e, como tantas outras cidades do país, de olhos gulosos postos em Barcelos. Claro que toda esta ambiência gera alguma leve revolta."

Os Ermo: criadores de música de todo inesperada, futuristas ancestrais. Não sabemos onde os poderá levar o caminho agora iniciado. São por agora uma surpresa curiosa. Em 2013 haverá um álbum. Aguardemo-lo.

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