As pontes de Franklin County

Não havia muita gente que apostasse, aqui há uns aninhos largos, que o australiano John Hillcoat encontrasse lugar no meio do cinema independente americano. A sua duríssima versão do romance de Cormac McCarthy A Estrada (2009) e agora Dos Homens sem Lei provam o contrário - e sem que para isso tenha sido necessário ao realizador “trair” as marcas registadas que o ergueram finalmente a coqueluche com Escolha Mortal (2005), o violento western trágico escrito por Nick Cave. Dos Homens sem Lei, aliás, funciona como uma “reunião de alunos” desse filme - muita da equipa técnica, a começar pelo director de fotografia Benoît Delhomme, regressa, a par de Cave, que escreveu o argumento. Talvez a maior surpresa seja que o novo filme seja uma história de gangsters dos anos 1930, coisa americana de gema - não será surpresa, já sabíamos do fascínio de Cave pela cultura popular do Sul americano ou pelas murder ballads, e o filme conta a história verídica dos três irmãos Bondurant, contrabandistas nos tempos da Lei Seca na Virgínia rural de Franklin County (com as pontes que Clint Eastwood tão bem filmou), que o escritor e jornalista Matt Bondurant, neto de um deles, ficcionou no romance que serve de base ao filme. É a “tempestade perfeita” para a dupla: as obsessões literárias de Cave e a capacidade de Hillcoat para emprestar gravidade e pungência à violência.


Mas o que sai deste filme tecnicamente intocável é uma espécie de “compacto condensado”, versão curta de um director''s cut que se adivinha mais longo e mais denso; uma saga familiar épica da qual apenas sobrou a central história de passagem à idade adulta do mais novo e mais frágil dos três irmãos. Jack (uma criação precisa de Shia Laboeuf, a redimir-se dos alimentares Transformers) sonha em emular os grandes gangsters de Chicago, provar aos irmãos que faz parte da família, mas deixa-se levar pela sua inexperiência e pela sua juventude, e é o seu processo de culpa e redenção que é o centro do filme; é por isso que tudo nele é visto pelo filtro dourado da memória e da admiração pelos irmãos mais velhos, como quem lembra os momentos-chave da juventude.

Mas essa abordagem, sublinhada pela gloriosa fotografia de Delhomme, acaba por minimizar tudo o que se passa à volta, com as restantes personagens reduzidas a figuras arquetípicas, ícones clássicos do cinema de gangsters sem existência real para lá das lendas que eles próprios se impõem. E se isso não perturba o equilíbrio formal do filme, nem a sua inscrição num certo género que vimos assim pela última vez nos já longínquos anos 1970 (e que nem os Intocáveis de De Palma conseguiram renovar), deixa a sensação de Dos Homens sem Lei ser um filme que fica aquém das suas potencialidades. Ou uma história que não é contada por inteiro, e que nas magníficas cenas finais deixa uma ideia do que poderia ter sido e não foi - suficiente para recomendar Dos Homens sem Lei sem reservas, mas frustrante: mais um esforço e a grandeza estava ao alcance.

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