Dez anos não chegam para fugir de esperanças ilusórias

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Vítimas lembradas em Bali quando passam dez anos sobre o atentado Foto: Beawiharta/Reuters

Em dez anos, a mãe da única vítima portuguesa dos atentados de Bali diz ter perdido “a vergonha e o medo”. O pai explica como é viver sem registar as alegrias.

O soldado pára-quedista Diogo Miguel Ribeirinho Dantas, de 20 anos, encontrava-se de férias em Bali. Fazia parte da missão de paz das Nações Unidas em Timor-Leste quando foi apanhado pelo atentado de 12 de Outubro de 2002.

“Uma pessoa anda na rua e quando vê ao longe uma pessoa parece que ainda tem aquela esperança. É uma coisa que não tem explicação”, diz a mãe do militar, antes de confessar que, por vezes, dá por si à espera da “notícia de que ele está vivo”.

Diogo estava numa zona nocturna de Kuta, uma das mais turísticas de Bali. O ataque, o mais mortífero da história de todo o Sudeste Asiático, com 202 mortos, foi atribuído à Jemaah Islamiyah, uma antiga rede indonésia com ligações à Al-Qaeda.

Os pais foram aconselhados a não identificar o corpo para evitar ficar com a imagem na mente, mas confiam no trabalho das autoridades que durou semanas. Vivem em Azeitão com a filha, agora com 25 anos, e vários animais de estimação, mas após os atentados, altura em que viviam em Alfornelos, Amadora, pai e filha mudaram-se para uma casa a poucos metros do cemitério onde se encontra o soldado, em Ponte de Lima. Conceição Ribeirinho não conseguiu deslocação do trabalho em Lisboa.

A conversa leva Ismael Ribeirinho, pai de Diogo e agente da PSP, a recordar um episódio ocorrido há “três ou quatro anos” na estação de metro do Lumiar, em Lisboa, quando seguiu uma criança que se “parecia exactamente” com o filho.

“Não estou a fantasiar. Eu vi! Fui atrás do miúdo e apetecia-me até dizer-lhe que gostava de conhecer os pais, porque aquilo foi uma coisa impressionante”, assevera. Contudo, rapidamente a robustez na voz de Ismael se refugia no lado das certezas: “Mas há coisas em que não vale a pena pensar, porque não é próprio.”

Para além da separação, a proximidade com o cemitério pesou demasiado e Ismael Ribeirinho regressou a Lisboa um ano depois.

O pior foi o primeiro ano do atentado

Nos últimos tempos, o casal começou a fazer passeios e a desfrutar mais da vida, ainda que as alegrias já não fiquem “registadas”. O polícia explica que nem “divulga o valor” das alegrias que por vezes sente. Ainda assim, Ismael, que usa uns “All Star” amarelos florescentes, refere que desde o princípio que levantaram a cabeça e que continuam com projectos.


Conceição Ribeirinho, menos entusiasta, concorda que os bens adquiridos perdem o valor no dia seguinte. “Eu não me importava nada de ir morar para debaixo de uma ponte, mas estarmos os quatro outra vez. Era tudo o que eu queria.”

A mãe do soldado refere que agora já não tem medo de nada, nem de morrer. “Eu era mais calma. Podiam dizer-me o que quisessem que eu não respondia. Hoje não tolero que me digam nada. Podem dizer, mas levam logo a resposta. Não penso no dia de amanhã”, refere.

Pais gostavam de ver a data assinalada

O assunto não é normalmente motivo de conversa na família e a entrevista serve para troca de opiniões. Faz falta uma associação em Portugal que apoie especificamente as vítimas do terrorismo? Ismael Ribeirinho responde que sim. E entende também que estas datas deviam ser assinaladas de algum modo, com, por exemplo, uma cerimónia religiosa ou um convite para a família participar nas cerimónias de 12 de Outubro na Indonésia, ainda que ele não aceitasse, pois tem medo de voar. “Foi lá que ficou o sangue dele, a vida dele”, completa a esposa, que não perde uma oportunidade para ir a Bali.


Questionado pelo PÚBLICO sobre se o Governo vai oferecer essa viagem, o Ministério dos Negócios Estrangeiros apenas respondeu, por escrito, que os pais seriam contactados. Até quinta-feira, 11 de Outubro, à hora do almoço, esse contacto não tinha sido realizado.

Ainda assim, receberam apoio psicológico do Exército após o atentado e mostram-se gratos por antigos colegas do filho assinalarem anualmente a data.
Ismael sente grande orgulho pelo filho ter passado pelos pára-quedistas e repete que se fosse hoje voltaria a concordar com a participação na missão de paz em Timor-Leste, até porque o atentado não teve “nada a ver com a missão que ele desempenhava”.

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