O futuro já não é o que era

Uma meditação sobre a identidade, confirmando Rian Johnson como um dos grandes cineastas americanos contemporâneos

“Sabes que no futuro não usam gravatas”, diz aí 20 minutos após o início de Looper Jeff Daniels a Joseph Gordon-Levitt. “Isso são tudo afectações do século XX, imagens copiadas de filmes que as copiaram de outros filmes. Tens apenas de ser novo.” Rian Johnson põe as mãos no fogo por esta afirmação que define a essência do seu cinema, apenas aparentemente encaixado na gaveta dos indies americanos idiossincráticos depois de Brick (2005, filme-negro-no-liceu) e Os Irmãos Bloom (2008, comédia screwball disfarçada de filme de vigaristas metaficcional). Não é nada disso: é mesmo o prazer lúdico de usar os mesmos ingredientes de sempre para criar algo de novo, que respeita os códigos ao mesmo tempo que os manipula e distorce.


Looper é o passo seguinte dessa desconstrução, ao usar a viagem no tempo como macguffin para uma meditação sobre a identidade e a responsabilidade, sob a forma de... western policial futurista a meio caminho entre a ficção-científica steampunk, o Ray Bradbury do Som do Trovão e o filme fantástico à sombra tutelar da Jetée de Chris Marker e da sua reinvenção por Terry Gilliam em 12 Macacos (e nem falta Bruce Willis). Ou não fosse a história de um assassino forçado a matar o seu eu futuro, transportado 30 anos para trás no tempo, que dá por si a ter na prática e à frente dos seus olhos o modo como as suas acções no presente alteram o futuro.

Repare-se: no papel, muito do que aqui se joga, cruzado num mesmo filme, é peculiar para dizer o menos - Johnson invoca A Testemunha, de Peter Weir, como influência, mas encontrámos referências à Fúria de Brian de Palma, aos Scanners de Cronenberg e ao Exterminador Implacável de Cameron. Tudo “afectações do século XX” que Johnson manipula de modo virtuoso num todo que faz sentido ao mesmo tempo no mesmo filme, criando algo de audacioso e, vá lá, novo. Looper entrega aquilo que o mercado lhe pede - um filme de acção futurista com actores conhecidos - mas recusa-se a fazê-lo à imagem dos outros todos, preferindo manter intactos o jogo narrativo com os presentes alternativos que projecta o filme para uma série de meta-narrativas, para o subtexto existencialista de um homem que se questiona o que fazer com a sua vida, o que fazer da sua vida.

Daqui sai um filme de género com volta na ponta, que passa a vida a tirar o tapete de baixo dos pés do espectador mas sem nunca dele fazer pouco, e que cumpre ao risco o caderno de encargos pronunciado por Jeff Daniels: “tenta apenas ser novo”. Ao consegui-lo, confirma Rian Johnson como um dos grandes cineastas americanos contemporâneos. Nem toda a gente vai gostar de Looper - e ainda bem.

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