Jovens, trabalho, desemprego: ainda há espaço para o futuro?

O desemprego com que os jovens se confrontam não é cíclico, nem sequer estrutural. É estruturante de novos modos de vida

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Vivemos num mundo que se foi tornando mais complexo, ambíguo, contraditório e mais difícil de entender como um todo. A imprevisibilidade apela a uma preparação acrescida dos indivíduos. Nunca se falou tanto em proactividade, iniciativa, criatividade ou capacidade para empreender (que não tem de se confundir com a deriva ideológica do “empreendedorismo”).

Os mais jovens são especialmente afectados por este contexto cultural e político. Estão a construir as fundações das suas vidas e projectos. Como fazê-lo?

Começo por uma pequena advertência. Quando se fala nas gerações mais jovens, dos desafios com que se confrontam e das barreiras contra que lutam, há que ter em consideração que não nos estamos a referir a um grupo homogéneo, vivendo situações comuns a todos, em condições sociais e pessoais idênticas. Sabemos que a individualização, como modo hegemónico de socialização, que tem vindo a consolidar-se nas últimas décadas, evidenciou novas e acentuou velhas diferenças (como as que decorriam, e decorrem, da sua proveniência socio-económica). A diversidade e a afirmação da singularidade psicossocial – cada vez mais exigente e difícil no seu processo de construção – é, talvez paradoxalmente, a característica comum ao que, habitualmente, se convencionou chamar ‘geração jovem’.

A ilusão que criamos não vai, no entanto, nesse sentido. Os discursos dominantes – homegeneizadores e massificantes – produzem, invariavelmente, o efeito de esterotipização e simplificação da representação que fazemos dos jovens.

O quotidiano e as expectativas de um jovem com uma qualificação profissional de nível intermédio (ou inferior) são bem distintos (e ainda mais vulneráveis à escassez de oportunidades) dos de um outro com um diploma de nível superior. Entre outras causas, o facto de vivermos em sociedade mediatizadas – isto é, em que os media (novos e menos novos) sincronizam os conteúdos audiovisuais que nos tornam mais semelhantes (leia-se massificados) – fazem-nos crer, falsamente, que as gerações mais jovens podem ser tomadas como um todo uniforme.

Com a consciência do efeito redutor em que incorro, arrisco um breve retrato, que assenta a muitos jovens no presente da sociedade portuguesa (os mediaticamente mais ‘elegíveis’), deixando de fora vários outros grupos que dificilmente encaixam em tal caracterização.

Assim, estamos, simultaneamente, perante a geração mais educada e qualificada da nossa História e a que sente maiores problemas na sua relação com o trabalho e o emprego. O automatismo da sequência formação-profissão-emprego não faz parte do seu mundo.

O desemprego jovem de candidatos com diplomas superiores não para de crescer, atingindo mais de um terço (mais de 80.000 jovens, em termos absolutos). A aparência (e inferência de alguns observadores mais distraídos) é a de que o investimento no ensino superior não compensa, de que temos diplomados em excesso e de que cursos superiores devem ser encerrados na base do critério da ‘empregabilidade’. O leviano cliché de que somos um país de doutores faz o seu bloqueador caminho. Obviamente, o que devemos concluir é que os objectivos das formações de nível superior estão longe de se esgotar na sua relação com o trabalho e que as suas funções sociais são múltiplas e indispensáveis, tanto quanto os resultados pessoais e sociais que produzem, muito para além de indicadores quantificáveis.

Mergulhados numa profundíssima crise económica e social, podemos afirmar o que parece uma contradição: a sociedade portuguesa desenvolveu-se como nunca antes ao longo do nosso passado colectivo, e continua no caminho do desenvolvimento, se o desinvestimento na formação dos jovens não ocorrer (como pretendem as actuais políticas de educação).

De pouco consolo servirá tal constatação àqueles jovens que não conseguem encontrar emprego ou cujas escassas oportunidades se restringem à absoluta precarização do trabalho, à abdicação de direitos (como trabalhadores e cidadãos) ou a salários que não asseguram a sobrevivência independente da família de origem.

Não menos importante, é a própria ideia de futuro que parece comprometida! Uma coisa é aspirar a um emprego para toda a vida. Outra, bem distinta, é não dispor de um mínimo de estabilidade existencial que proíbe projectos e sonhos de médio e de longo prazo! Além disso, o desemprego com que os jovens se confrontam não é cíclico, nem sequer estrutural. É estruturante de novos modos de vida, emergentes entre os jovens, merecedores de admiração pela sua criatividade e promissores em termos de cenários futuros de cidadania, de participação social, cultural, cívica e política. Tais modos de vida são o eco de uma dicotomia crescente produzida pelas sociedades actuais entre trabalhador-produtor e consumidor. Torna-se cada vez mais evidente que é mais gravoso estar fora dos circuitos do consumo do que dos do emprego. Estas gerações são, de resto, apetentes de cultura, nas suas mais variadas modalidades de oferta e foram fortissimamente socializadas para o consumo.

A grande questão passa, assim, por criar condições de vida digna para todos, nomeadamente os mais jovens. Impõe-se o abandono da hipócrita miragem de sociedades de pleno emprego. Pálidos economistas e patéticos políticos parecem querer evitar o problema.

Se o crescimento económico – quando ocorre – se faz, também, à custa da destruição de emprego, da sua metamorfose em formas atípicas (o outsourcing transforma candidatos ao emprego em freelancers) e se o trabalho sob a forma de emprego é um bem comum social, impõe-se a discussão da sua partilha, de modo a que todos possam vir a ter acesso a ele, ainda que em condições e formas diferentes das que actualmente conhecemos (e.g., extensão do tempo de trabalho). Talvez trabalhemos, desnecessariamente, tempo demais, por dia e por semana, talvez as políticas de rendimentos se tenham de vir, progressivamente, a autonomizar do trabalho produtivo.

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