Selvagens e moderadamente perigosos

O regresso de Oliver Stone ao cinema dinâmico e visceral que marcou a sua ascensão, num filme nunca menos que inteligente mas que nada adianta ao que já lhe conhecemos

Para todos os efeitos, Selvagens é uma espécie de “retorno” de Oliver Stone à boa forma que lhe preferimos: a do cineasta dinâmico, visceral, formalista, de filmes como Natural Born Killers/Assassinos Natos (1994), Any Given Sunday/Um Domingo Qualquer (1999) ou do tão menosprezadinho Talk Radio/As Vozes da Ira (1988). Selvagens marca também um certo retorno à hiper-violência estilizada dos seus guiões para Brian de Palma (Scarface/A Força do Poder, 1983) e Michael Cimino (O Ano do Dragão, 1985), transplantada para o mundo contemporâneo da “guerra contra a droga” com aquele olhar tão desencantadoramente amoral que Stone soube fazer seu no seu melhor.


É essa ironia cínica a meio caminho entre o idealismo desiludido de quem ainda acha que é possível mudar o mundo e o pragmatismo escarninho de quem sabe que há coisas em que já não vale a pena acreditar que propulsiona esta adaptação de um romance de Don Winslow sobre dois cultivadores de marijuana californianos que se vêem encostados à parede por um cartel mexicano. Essa dicotomia é, aliás, perfeitamente encarnada pelas suas personagens: Ben, o idealista ingénuo que quer reinvestir os lucros da sua droga de alta qualidade em fundações humanitárias, e Chon, o ex-militar endurecido cuja experiência no Iraque e no Afeganistão lhe abriu os olhos sobre o lado selvagem do ser humano. Selvagens é um exercício sobre o modo como as fronteiras morais do comportamento humano - a selvajaria que todos neste filme passam o tempo a invocar - são movediças e flexíveis em nome do poder e da liberdade.

O que daqui sai, então, é um objecto que respira qualquer coisa de Stone às turras com a sua própria história e a tentar recuperar qualquer coisa da sua verve perdida, “velhinho” a querer provar que ainda tem garra - e a só o conseguir até certo ponto. Stone não perdeu o jeito, longe disso, mas no pós-Tarantino é preciso algo mais do que a energia desenfreada e as referências tópicas de Selvagens para reconquistar um lugar de topo; convinha ter um pouco mais de mão no elenco - John Travolta e Benicio del Toro a cabotinarem desavergonhadamente, Aaron Johnson deixa-se literalmente comer por Taylor Kitsch - e não dispersar tanto a energia por pontas soltas que pouco ou nada adiantam. Sempre inteligente e nunca menos que interessante, Selvagens consegue fazer esquecer os recentes “tiros ao lado” de um realizador que nos parecia apaziguado (como World Trade Center, 2006, ou a malfadada sequela de Wall Street - O Dinheiro Nunca Dorme, 2010), e prova que ainda há qualquer coisa a mexer lá dentro. O que só podem ser boas notícias.

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