"O divino balanço do andar" da "Garota de Ipanema" faz 50 anos

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Foi numa rapariga que todos os dias passava em frente ao Bar Veloso, Ipanema, que os músicos se inspiraram Rui Gaudêncio

“Olha que coisa mais linda/ Mais cheia de graça/ É ela menina/ Que vem e que passa”. Foi num clube no Rio de Janeiro, a 2 de Agosto de 1962, que estas palavras se ouviram pela primeira vez. Passaram-se 50 anos e "o encontro entre a beleza da música e a beleza da musa" tornam a Garota de Ipanema conhecida por várias gerações um pouco por todo o mundo. Uma música que, por falta de pássaros, só arrancou na segunda versão e que, por acaso, nasceu bossa nova, mas se adapta a qualquer outro estilo musical.

Naquele dia, António Carlos Jobim, com 35 anos, (mais conhecido por Tom Jobim), o compositor da música, o cantor João Gilberto, o poeta Vinicius de Moraes, o baterista Milton Banana e o contrabaixista Otávio Bailly subiram ao palco sem saberem estar a dar letra e música a um sucesso planetário.

A canção é, geralmente, considerada uma das mais emblemáticas da bossa nova. No entanto, Carlos Alberto Afonso, professor de literatura, melómano e especialista em bossa nova, ressalva que não se pode afirmar que a Garota de Ipanema seja exactamente bossa nova. “Nenhuma canção nasce bossa nova. Isto é uma forma de execução com piano, violão, contrabaixo e outros instrumentos”, explica. “A ‘Garota de Ipanema’ tem o ritmo samba e pode ser executada de outras formas e com outros instrumentos. Em 1962, foi executada em bossa nova”, acrescenta.

Originalmente a letra da música chamava-se Menina que Passa e tinha sido escrita por Vinicius a pedido de Tom Jobim, mas o compositor não gostou da letra apresentada pelo amigo. Carlos Alberto Afonso recorda-se desse episódio: “Acho muito pitoresca a reacção de Tom Jobim quando Vinicius de Moraes lhe apresentou a primeira tentativa de letra que o músico lhe encomendara. É que Vinicius escrevera 'tão sem passarinho' e Jobim reagiu : ‘Mas, Vinicius, onde é que já viu ‘Tom’ sem passarinho?’”, conta ao PÚBLICO, acrescentando que Tom Jobim era um amante da Natureza e, portanto, esta ideia não lhe agradou.

Pouco tempo mais tarde, surgiu a versão definitiva, intitulada Garota de Ipanema.

Foi numa rapariga de quinze anos que todos os dias passava em frente ao Bar Veloso, na praia de Ipanema, onde os músicos se reuniam para beber “a cerveja de cada dia” nas mesas da calçada, que Jobim e Vinicius encontraram inspiração para compor a canção.

Nos anos seguintes, muitas raparigas afirmaram ser elas a musa inspiradora dos músicos e outras reclamaram conhecer a sua verdadeira inspiração, mas, em 1965, Tom Jobim e Vinicus de Morais contaram a verdade.

“Seu nome é Heloísa Eneida Menezes Paes Pinto, mas todos a chamam de Helô”, revelou Vinicius de Moraes. Mistério resolvido. “Há três anos atrás ela passava, ali no cruzamento, em demanda da praia, e nós a achávamos demais. O ar ficava mais volátil como para facilitar-lhe o divino balanço do andar. E lá ia ela, toda linda, a garota de Ipanema”, acrescentou.

A partir de então, a carioca pacata que todos os dias “caminhava até ao mar” transformou-se numa celebridade e adoptou o nome artístico de Helô Pinheiro. Hoje conta 67 anos. Passou a ser entrevistada por jornalistas de todo o mundo, actuou em telenovelas, apresentou programas de televisão, participou em anúncios televisivos, organizou concursos de beleza e publicou a sua biografia.

Esta famosa canção representa hoje a mulher brasileira. Embora a idealização da mulher em poemas e canções não seja novidade, para Carlos Alberto Afonso contribuiu para a tornar emblemática. “Com a Garota de Ipanema avançou-se - e muito - na promoção do encontro entre a beleza da música, a beleza da musa e o público sensível a este padrão musical”, afirma.

O mercado internacional foi igualmente importante. Três meses depois da primeira apresentação no Rio de Janeiro, a música foi interpretada na prestigiada sala de concertos Carnegie Hall, em Nova Iorque, dando início à internacionalização do tema.

No ano de 1963, saiu a gravação para a editora Verve e em 1964 o LP Getz/Gilberto que contou com a participação de Tom Jobim ao piano. Carlos Alberto Afonso considera esta execução como “uma aula sobre a bossa nova, como, aliás, as demais execuções do mesmo álbum”. No mesmo ano, o disco arrecadou um Grammy.

Em 1967, a dimensão internacional da canção intensificou-se com a interpretação do cantor norte-americano Frank Sinatra.

A canção deu ainda azo a versões em diversas línguas, uma delas, em inglês, escrita por Norman Gimbel e intitulada Girl from Ipanema. Carlos Alberto Afonso conta que, originalmente, a palavra Ipanema tinha sido retirada do título, mas Vinicius de Moraes opôs-se veementemente a esta mudança, pondo em causa a própria parceria com Gimbel.

Actualmente, Ipanema é um dos bairros nobres e mais conhecidos do Rio de Janeiro e paragem obrigatória para os amantes do jazz, da bossa nova e da música em geral, onde se encontra a casa onde Tom Jobim viveu grande parte da sua vida e o bar onde os autores se encontravam.

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