É (outra vez) a economia, estúpido

Steven Soderbergh regressa ao tema do sexo como negócio numa comédia dramática ambientada no mundo do strip-tease masculino

Steven Soderbergh continua a ganhar a “batalha da produção” - Magic Mike é o seu segundo filme de 2012 depois do magnífico Uma Traição Fatal, e o quarto a estrear em Portugal nos últimos 12 meses se lhe somarmos Contágio (2011) e Confissões de uma Namorada de Serviço (2010). Não é por acaso que vamos buscar este último, porque Magic Mike, que pertence à vertente “encomenda”/“filme comercial” do cineasta americano, funciona como díptico com aquela experiência de “improvisação controlada” sobre o quotidiano de uma call-girl nova-iorquina. Aparentemente inspirado pela própria vida do seu actor principal (e produtor) Channing Tatum, é um filme sobre o quotidiano de um stripper masculino na Flórida, e retoma o tema do sexo como transacção, símbolo de uma sociedade de consumo onde tudo é negócio, aqui através da narrativa clássica do cinema americano da “passagem de testemunho”.


Mike, que ganha a vida como stripper enquanto faz biscates nas obras e junta dinheiro para abrir um negócio de mobília artesanal, dá a mão a Adam, um puto que não sabe o que há-de fazer da vida, a quem arranja emprego no clube onde se despe três vezes por semana. Adam serve como porta de entrada do espectador no universo do strip-tease, que pinta como um jogo de faz-de-conta onde a sexualidade é pura mercadoria, onde o desejo e a fantasia cumprem uma função utilitária dentro de regras perfeitamente definidas (como Springsteen diria, “you can look, but you better not touch”). E Soderbergh usa as convenções do melodrama para sublinhar o desfasamento entre esse mundo de fantasia do homem perfeito ao alcance da mão (não tão afastado assim do universo do cinema...) e o mundo real onde o dinheiro vivo de Mike não serve de garantia para um empréstimo, onde a sua profissão impede que as mulheres o levem a sério como homem. O que elas querem (e isto também é válido para o sexo oposto), como se diz a certa altura nos diálogos, não é que Mike tenha coisas para dizer, mas apenas que seja bonito - e vá de Soderbergh usar essa frase lapidar para sublinhar como o nosso é um mundo manobrado e manipulado por imagens.

Dito isto, Magic Mike é, apesar de toda a sua inteligência, mais convencional do que os últimos Soderbergh, sem a implacabilidade de Contágio nem a energia de Uma Traição Fatal. Em parte isso deve-se ao próprio arco narrativo mais convencional, que nem as experiências estéticas do realizador (de novo igualmente director de fotografia e montador) conseguem diferenciar, e em parte àquela coisa rara num filme do cineasta que é um erro de casting. Que não é Channing Tatum, revelando que há um actor com cabeça por trás do all-American boy de serviço a blockbusters de segunda linha, nem um Matthew McConaughey a ferver de pragmatismo calculista, mas sim Cody Horn, cuja inexpressividade revela os limites do projecto, a fragilidade do andaime e a sensação de que Soderbergh bem podia tirar umas férias. Nada que, contudo, impeça a recomendação de Magic Mike.

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