Crianças aprendem chinês antes de saberem ler e escrever português

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Contar até 10, dizer cabeça ou nariz em chinês já é natural para eles Rui Gaudencio

É uma experiência-piloto que pretende iniciar as crianças numa língua que se presume terá grande impacto a nível mundial.

Os 23 meninos da turma dos 4 e 5 anos ainda não sabem ler nem escrever português mas, ao verem a imagem dos dez caracteres chineses que representam os algarismos de um a dez, são capazes de os reconhecer e repetir, como se fosse uma lenga-lenga: yi, er, san, si, wu, liu, qi, ba, jiu, shi. "Houve uma memorização fotográfica", espanta-se Chang Munton, a professora que nunca tinha dado aulas de mandarim, a língua oficial da China, a crianças tão pequenas.

No colégio Saint Daniel Brottier, em Lisboa, vai começar no próximo ano lectivo "uma experiência-piloto que pretende iniciar as crianças numa língua que o colégio presume que terá grande impacto a nível mundial", diz a directora da instituição, Ana Lé de Matos.

Tiago Antunes, cinco anos "feitos no 25 de Abril", é o primeiro a voluntariar-se para dizer de sua justiça sobre o que sabe relacionado com o tema: adianta que sabe da China que fica na Ásia, onde quer que seja a Ásia, que "a muralha da China é muito grande" e "há lá um deserto" e tem uma teoria: os chineses têm os olhos em bico porque tinham que os estar sempre a fechar "por haver grandes tempestades de areia".

Miguel Esteves, de seis anos, tem um discurso mais oficial: nota que "é interessante falar chinês", confirma que, sim, domina as palavras que designam as partes do corpo, tais como tou, que é cabeça, bi zi, que é nariz, e zui ba que é boca, e os números até dez. Mas admite que o idioma "tem muitos sons e é difícil". No final, deixa uma pergunta para quem lhe souber responder: "Não sei se se vai para a China de avião ou de barco."

Em duas aulas de meia hora, os que memorizaram toda a lição já saberão as 26 palavras ensinadas. À vez, os mais desinibidos vão subindo a uma cadeirinha proporcional ao seu tamanho e vão repetindo a palavra chinesa correspondente à parte do corpo para onde a professora Chang Munton vai apontado: como o pé, jiao, ou a mão, shou. No final da aula entoam uma canção chinesa sobre um menino que está a tirar um nabo gigante da terra com a naturalidade com que cantariam Atirei o pau ao gato: "ba wo bo...".

Mais do que aprenderem as palavras, a professora espantou-se com a facilidade com que as associaram aos caracteres, que talvez lhes pareçam desenhos com riscos. Talvez porque, como para a maioria destes meninos o alfabeto ainda não diz nada, o caracter se torne mais facilmente identificável.

"Nunca pensei que miúdos tão pequeninos aprendessem tão rápido", diz a professora, que já está habituada a ensinar adolescentes. "Tudo é novidade e a aprendizagem faz-se como se fosse uma brincadeira, aprendem sem se aperceber que estão a aprender".

Houve apenas duas aulas experimentais mas a língua vai começar a ser dada como actividade extracurricular opcional a partir do primeiro ciclo, em Setembro, a par do Inglês. Este mantém a primazia como matéria curricular aqui leccionada três vezes por semana no primeiro e segundo ano e quatro vezes nos terceiro e quarto anos.

Mas para que serve o chinês?, pergunta-se a Vasco Dagnino, de cinco anos. "Não sei." A professora Chang Muton está convencida "de que o chinês, assim como o Inglês há 20 anos, vai marcar a diferença em termos de formação" e que os pais que hoje optam por colocar os filhos a aprender a língua em tenras idades "estão mais atentos às dificuldades de emprego, estão a preparar para o futuro". Mas que não haja ilusões: "Esta é uma boa idade para começar, se mantiverem as aulas; se não continuarem não vão aproveitar, o ideal seria não parar até dominar a língua."

A directora do colégio acrescenta: "Não temos a pretensão de que falem fluentemente, é uma semente para despertar a curiosidade para explorar esta língua." O chinês, diz, pode tornar-se "numa ferramenta num mundo global".

Há cada vez mais portugueses a aprender chinês. E crianças cada vez mais novas. A Escola Chinesa de Lisboa tem um curso para crianças dos 5 aos 16 anos, chamado Aprender Chinês a Brincar. Há aulas no Centro Cultural e Científico de Macau, em Lisboa, por onde já passaram mais de dois mil alunos. Há cada vez mais jovens, sobretudo do ensino secundário, mas alguns começam a aprender mandarim aos oito anos ou logo aos cinco. O Instituto Confúcio da Universidade de Lisboa tem cerca de 300 estudantes, entre crianças, adolescentes e adultos.

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